sábado, 12 de dezembro de 2009

A propósito da "Palucha" de Rogério Cardoso


Caro companheiro.Vou-te enviar algumas fotos que tem a ver com
Bissorã.Foto1Paulucha pronta-construção pelos condutores e a
sargentada careca,eusou o da esquerda.
Foto2Armas apreendidas.Foto3 mais armas.Foto4Unimog
que pisou um "petardo" e armas e a granada igual á que me
atingiu,ainda não consegui saber o nome técnico dela.Mas
de facto não deve de haver memória de um caso destes, ela
bater em mim e não rebentar, claro deixou muitas mazelas
como deves calcular,talvez o unico caso na guerra do ultramar.Um
colega meu viu uma entrevista de um S.Aj.Para em que dizia que em
64/65 só haviam algumas
PPSH e meia duzia de minas, ele que olhe p/as fotos, se
calhar fui comprá-las á feira da ladra.Um abraço Rogério643

Referência ao livro Diário da Guerra Colonial - Guiné 66/68

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

RECORDAÇÕES

Recordo-me do tempo em que toda a herdade da Vila Velha era um azinheiral cerrado. Começava logo ali por detrás do cemitério e estendia-se desde a estrada nacional nº 255, ao longo da ribeira do Lucefécit, até ao ribeiro de Alcaide. Hoje, devido ao plano de regadio da barragem do Lucefécit, já não existem Azinheiras nem ninhos de pássaros, e toda a flora desapareceu.
 Recordo-me de ir aos ninhos com outros rapazes da minha idade. Achava os ninhos com ovos de picanço e de melro. Deixava-os ficar para que os pais criassem os filhos, e quando uns dias depois lá voltava à sua procura, os passarinhos já tinham voado. Deixei de subir às azinheiras para procurar os ninhos escondidos na densa ramagem. Deixei de ver os lagartos que comigo disputavam a posse dos ninhos e do seu conteúdo, quer fossem ovos ou filhotes ainda com penugem. Deixei de os ver no chão, junto ao tronco ou em qualquer pernada da azinheira à espreita do sol. Deixei de os ver a fugir pela azinheira acima para se esconderem no buraco do tronco de alguma árvore mais velha, ou correr pelo campo fora, até lhe perder o rasto no meio das ervas ou de arbustos, ou ainda porque tinham encontrado qualquer buraco no chão para se esconderem.
Recordo-me do tempo em que, juntamente com outras crianças, ia ao azinhal da Vila Velha apanhar bolotas, que colocava numa bolsa, para a engorda do bácoro, que esperava por elas no chiqueiro que existia no quintal. Quando desconfiávamos que vinha o guarda da herdade em nossa perseguição, fugíamos a sete pés, mas a bolsa das bolotas é que não largávamos custasse o que custasse.
Recordo-me do ti Manuel “do leite”, empurrando um carro de mão com dois cântaros de zinco de vinte litros cada um, mais as medidas (de litro, meio litro e um quarto de litro) andar a vender leite de porta a porta. Recordo-me de ouvir as vizinhas dizer: olha hoje há peixe; vem aí o Mira do Alandroal. Deslocava-se inicialmente com uma motorizada e mais tarde com uma carrinha de caixa fechada e de cor vermelha já queimada do sol, percorria as ruas a vender peixe (cação, “jaquinzinhos”, carapau do alto, pescada e sardinhas); do Peças do Alandroal, com uma carrinha de caixa aberta vender fruta e hortaliças de porta a porta, e as mulheres sempre com a velha ladainha “ist’aqui é um sequêro, nãn há nada”. Recordo-me do ti Ramalho, de Terena, vender sardinhas também de porta a porta e de ir a sua casa na rua Direita, comprar cinco sardinhas (não se podia comer mais do que uma sardinha cada um lá em casa) e já era um “luxo”, pois havia quem comesse só meia sardinha.
Recordo-me do ti Laurentino, homem baixo e barriga razoável, de calças descaídas e presas com um atilho a servir de cinto, com um carrinho de mão a vender hortaliça pelas ruas de Terena. Homem muito simpático e os seus pregões faziam as delícias das crianças. Morava mais ou menos a meio da Rua das Casas Novas, em Terena.
Recordo-me do mestre Zé da Muda, morava na casa mesmo ao lado da minha. Era sapateiro e tinha a oficina mesmo em frente da minha casa. Tinha por hábito mandar as crianças, buscar a pedra de afiar os martelos ao mestre “Erva Agrião”, na rua Direita, que era na rua paralela à rua onde eu morava, e lá vínhamos nós, carregados com um enorme seixo do Guadiana onde o sapateiro batia a sola. Chegados ao mestre Zé da Muda, dizia-nos que não era aquela, e voltávamos a levar a que tínhamos trazido. Por sua vez, o mestre “Erva Agrião” carregava-nos com outra pedra ainda maior. É evidente que só nos enganaram uma vez.
Recordo-me do tempo em que chovia sem parar, durante semanas seguidas e de o meu pai me contar estórias à roda do lume de chão; nas noites de Verão, ver a vizinhança na rua ao fresco, sentada nas cadeiras de buinho, enquanto os filhos jogavam com uma bola de trapo e de vez em quando lá ia a cabeça do dedo do pé; de numa esteira de buinho, dormir ao fresco, na rua, ao lado da porta e adormecer a ver as estrelas.
Recordo-me do tempo em que ia nadar para a ribeira do Lucefécit, sem medo de apanhar qualquer infecção. Costumava ir para o Pego das Barreiras, que era largo e fundo, ou para o Pego do Recovado. Até se dizia que uma corda de carreiro atada a uma pedra não lhe chegava ao fundo, o que só podia ser uma grande mentira, ou ainda para os pegos junto ao poço da Vila Velha, também conhecido pelo poço do Morais, que ainda hoje lá existe com a sua velha “cegonha”.
Recordo-me do tempo em que, juntamente com os meus primos e outros gaiatos mais ou menos da minha idade, corríamos todos os pegos da ribeira, nadando aqui e ali, pescando à lapa, à procura de cágados ou a fazer apostas para quem tinha mais pontaria para apanhar maior número de rãs à pedrada, o que era sempre muito difícil, senão impossível, a concretização de tal proeza. Confesso que nunca tive grande pontaria para acertar no pobre animal, embora houvesse quem fosse mestre na arte certeira de atirar a pedra.
Recordo-me dum ano, pelas férias grandes, ir guardar perus para o monte da Barranca de Baixo. Naquela época, o monte era o coração da lavoura. No silêncio das suas paredes brancas ficaram apenas recordações ricas de uma lavoura tradicional. O monte encontra­-se desabitado, uma vez que o pessoal da lavoura fixou residência em Terena e no Alandroal. Isto deve-se ao progresso com o seu cortejo de “benefícios” e o dom de acabar com a lavoura tradicional. Na soleira da porta, o gato espreguiçava-se ao sol ou deitava-se a desfrutar dos raios do maravilhoso astro. Havia uma árvore que, na sua sombra estava um carro de parelha com uma pipa que abastecia de água o monte. Havia também o pombal, essas meigas aves que simbolizam a paz, que com o seu canto nos pareciam dizer que aqui no monte a paz é verdadeira.
Todas as manhãs o meu parente Ladislau, que era o cozinheiro e responsável por tudo o que se passava no monte, me dizia para levar os perus a dar uma volta até à ribeira do Lucefécit, e que ao meio-dia, estivesse no monte para almoçar. Sempre soube que ele tinha um especial carinho por mim. Hoje, apesar dos seus noventa anos, ainda conseguimos manter a nossa relação de amizade que vem desse tempo em que eu era uma criança de nove anos. Que bom cozinheiro que ele era. Na panela de barro, ao lume de chão, fazia um excelente cozido de grãos, que era um autêntico manjar. Era um regalo! Depois de barriga cheia, era hora de dormir uma curta sesta. Seguidamente, debaixo do sol ardente de Julho e Agosto ia pelo caminho que saía do monte e atravessava a várzea, entre duas filas de oliveiras e raras azinheiras, até à estrada poeirenta que vai dar ao monte do Pigeiro. Atravessava-a, e passada uma centena de metros, estava novamente na ribeira. Regressava ao monte com um rabinho de sol, já com o rebanho de perus de papo cheio, para que ao sol-posto estivessem encerrados no galinheiro. A ribeira, pela sua frescura, era o local ideal para os perus. Era uma zona onde adoravam comer; gafanhotos, insectos e outros bicharocos. Mas a grama verde, era para eles um grande petisco. E eu, entretinha-me a ver as libelinhas pousadas na água ou seguia-lhes o voo até às tabúas. Outro dos meus passatempos era apreciar os cardumes de pequeninos peixes, tentar apanhar alguns para brincar numa poça feita ao lado do pego. Muitas vezes adormecia sobre a frescura da grama, à sombra de um freixo existente na margem da ribeira, a tal ponto que quando acordava os perus já tinham ido para outro local afastado daquele onde os tinha deixado. Para os localizar mais rapidamente subia a um freixo para a vista alcançar o mais longe possível e assim, ter outro ângulo de visão.
Recordo-me dum dia ter chegado ao monte, ao sol-posto, e depois de encerrar os perus no galinheiro, ao contá-los, o cozinheiro verificou faltar uma ave. No dia seguinte, os perus ficaram encerrados, enquanto fui ao monte da Vila Velha, ao Pigeiro Velho e Barranca de Cima procurar aos caseiros, se tinham visto por ali algum peru. Podia dar-se o caso de terem lá um peru a mais e ainda não terem reparado. O cozinheiro tinha-me ensinado o recado, pois era apenas uma criança de nove anos. Fiquei com a minha investigação completa, mas não provada, que tinham sido os ciganos que estiveram acampados nas redondezas, que apanharam o peru, e naturalmente, com ele feito um belo manjar.
Recordo-me do dia em que o lavrador, mais conhecido pelo velho Chico Garcia, numa das suas deslocações de charrete ao monte da Barranca de Baixo, acompanhado pelo escamel, o meu tio Manuel Luís, e que não devia ter mais de dezassete anos, me dizer:
-        Então meu menino, gostas de ler? Então toma lá este livrinho de contos do “ João Ratão”. Na deslocação da semana seguinte, perguntou-me se tinha lido o livro e se tinha gostado.
-        Disse-lhe que sim, que tinha gostado muito. Passou-me com a mão pela cabeça, então toma lá estes dois, que são muito bonitos e deu-me o “Gato das BotasSapatos” e o “Pedro das Malas-Artes”. Adorava aqueles livros. O velho Chico Garcia ofereceu-me ainda mais alguns livros até final das férias grandes, dos quais já não me recordo dos nomes. Depois regressei à escola e acabou-se a oferta de livros. Nunca mais vi o velho Chico Garcia, nem ele a mim. Os livros que ele me tinha dado, perdi-os de vista, mas ficou sempre qualquer coisa cá dentro de mim. Pelo menos, serviu para me ajudar a criar algum gosto pela leitura.
Recordo-me do livro da primeira e da quarta classe. Não me recordo dos livros da segunda e da terceira. Recordo-me da lição “olha, lá vai o Gonçalo, a caminho da escola”, de saber de cor as serras, os rios e seus afluentes, as linhas férreas e ramais.
 Recordo-me de saber os nomes e cognomes dos reis e de saber a tabuada de cor. Tinha que saber tudo na ponta da língua, para não apanhar reguadas do professor.
Recordo-me da D. Aurora, que era assim um género de professora regente e esposa do guarda-rios. Morava na Rua Direita, e recordo-me do chão da casa de entrada ser de lajes de xisto. Recordo-me de me mandar fazer redacções e orientar-me nos trabalhos que a professora tinha marcado para fazer em casa, nomeadamente a tabuada, enquanto a minha mãe ia à monda, ou lavar a roupa num pego de água corrente, por cima das passadeiras, onde atravessávamos a ribeira do Lucefécit, na zona do Santuário de Nossa Senhora da Boa Nova
Recordo-me do dia em que fui à escola do Alandroal fazer exame da quarta classe. Recordo-me de ensinar os problemas a um companheiro de carteira, filho de abastado lavrador, a troco de uma borracha ou de um lápis, que eu não tinha, por não haver dinheiro para os comprar.
 Recordo-me destas coisas tão simples, que à distância de mais de meio século, são simplesmente belas recordações.               
Luís de Matos

sábado, 24 de outubro de 2009

Algumas das estórias que o meu pai me ensinou:

A formiga e a Neve e o Diálogo entre os Dedos


Longe vão os tempos em que o meu pai, nas longas noites de Inverno, sentado à roda do lume da chaminé numa cadeira de alandro por ele feita, com pano de buinho colhido na Ribeira da Boa Nova ou do Lucefécit, me punha nas suas pernas contando estórias e lendas, que eu ouvia embevecido.

Apesar de não ter tirado sequer a quarta classe, sabia ler e escrever muito bem, e era um bom contador de estórias. Com os meus avós paternos, viveu vários anos em Olivença, e por essa via, falava e escrevia um espanhol correcto. Interpretava um projecto de arquitectura com a maior das facilidades, e nessa área, veio a ter algumas responsabilidades profissionais. Tinha amigos por tudo quanto era sítio. Foi uma enorme perda, o meu pai ter partido desta vida tão cedo. Foi no ano de 1989, com sessenta e oito anos, depois de grande sofrimento. Já lá vão portanto, quase vinte anos, ainda hoje me emociono por não estar entre nós. As coisas que ele me ensinou, e tinha ainda tanta coisa dentro de si para me transmitir!

Umas das suas estórias que me recordo com muita saudade, é a estória da “formiga e da neve”, e o “diálogo entre os dedos”. Como eu adorava que ele m’as contásse, principalmente a da formiga e da neve. E levava horas nisto, com toda a calma e paciência.

Apesar de já ter um dia de trabalho em cima das costas, quando chegava a casa ao cair da noite, com o corpo fatigadíssimo da labuta, ou da caminhada, ainda tinha vontade de satisfazer a minha curiosidade de criança. Ele tinha muito gosto nisso. Levava horas comigo sentado nas suas pernas. Noutras ocasiões, como se isso não bastásse, sentava-me numa perna, e na outra, a minha irmã. Ao fim de algum tempo, já cansado; Assentem-se ali gaiatos. E nós, todos contentes, sentávamo-nos numa cadeira de alandro, pequenina, própria para a nossa idade, que ele com muito carinho nos tinha feito, e continuava a contar-nos estórias até que nos chegasse o sono. Como era bom, o meu pai! Tinha um coração do tamanho do mundo.

A Formiga e a Neve
A formiga vai à serra
E seu pé na neve prende
- Ó neve, tu és tão forte
Que meu pé em ti se prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que luz do sol me derrete.
- Ó sol, e tu és tão forte
Que derretes fria neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer nuvem me tapa.

- Ó nuvem, tu és tão forte
Que tapas a luz do sol
Do sol, que derrete a neve
A neve, que meu pé prende?
– Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer vento me espalha.
- Ó vento, tu és tão forte
Que espalhas a negra nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que o meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer muro me veda
- Ó muro, tu és tão forte
Que vedas o rijo vento
O vento, que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer rato me fura.
- Ó rato, tu és tão forte
Que furas o grosso muro
O muro, que veda vento;
O vento que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu formiga, sou tão forte
Que qualquer gato me come.
- Ó gato, tu és tão forte
Que comes esperto rato
O rato, que fura o muro
O muro, que veda vento
O vento, que espalha a nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu formiga, sou tão forte
Que um cãozinho me mata.
- Ó cãozinho, és tão forte
Que matas o bravo gato
O gato, que come rato
O rato, que fura muro
O muro, que veda vento
O vento, que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que um pauzinho me bate.
- Ó pauzinho, és tão forte
Que bates no cão valente
O cão, que mata o gato
O gato, que come rato
O rato, que fura muro
O muro, que veda vento
O vento que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
-Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer lume me queima.

- Ó lume, tu és tão forte
Que queimas o duro pau
O pau, que bate no cão
O cão que mata o gato
O gato, que come o rato
O rato que fura muro
O muro, que veda vento
O vento, que espalha nuvem
A nuvem que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer água me apaga.
- Ó água, tu és tão forte
Que apagas o vivo lume
O lume, que queima pau
O pau, que bate no cão
O cão, que mata o gato
O gato, que come rato
O rato, que fura muro
O muro, que veda vento
O vento, que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer cabra me bebe.
- Ó cabra, tu és tão forte
Que bebes a fria água
A água, que apaga o lume
O lume, que queima pau
O pau, que bate no cão
O cão, que mata gato
O gato, que come rato
O rato que fura muro
O muro, que veda vento
O vento, que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete a neve;
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer faca me mata.
- Ó faca, tu és tão forte
Que matas ligeira cabra
A cabra, que bebe a água
A água, que apaga o lume
O lume, que queima pau
O pau, que bate no cão
O cão, que mata o gato
O gato, que come rato
O rato , que fura muro
O muro, que veda vento
O vento que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que num ai perdi o corte

Desde o alto até ao fundo
Nada á forte neste mundo.


Nomes dos dedos

O meu pai exemplificava: O indicador da mão direita,
Indica cada um dos dedos da mão esquerda,
A começar no mínimo e eu repetia com ele, até saber:

Dedo mindinho (o auricular)
Seu vizinho (o anular)
Pai de todos (o mediano)
Fura-bolos (o indicador)
Mata- piolhos (o polegar)

Diálogo dos Dedos

Dedo mindinho quer pão,
O vizinho diz que não,
O pai diz que dará,
Este que furtará,
E este diz: alto lá!

Este menino um ovo achou,
Este o assou,
Este sal lhe deitou,
Este o provou,
Este o papou.


Luís de matos

segunda-feira, 8 de junho de 2009

XII Convívio dos Militares da Companhia de Caç.1590-Guiné 1966-1968

Gulpilhares, 27 de Abril de 2009













Amigo e Companheiro,Cá estamos preparando com todo o gosto e empenho o nosso 12º convívio que terá lugar no próximo dia 13 de Junho de 2009 na freguesia de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia. Aqui poderão desfrutar da beleza da nossa orla marítima e dos nossos elementos culturais, assim como sentir a hospitalidade do nosso povo.
Pode não parecer, mas já decorreram 43 anos desde a nossa presença na Guiné, contudo é sempre com muito entusiasmo que nos reunimos para recordar aquela amizade pura que lá nos uniu, nos bons e nos maus momentos.
Seremos sempre a garantia da continuidade dos nossos encontros, por todo o seu pleno significado e pela alegria e espirito de confraternização que nos proporcionam.
Na continuidade dos anos anteriores iremos zelar para que tudo decorra com muita alegria e fraternidade, pelo que elaboramos o programa que passo a apresentar:
10.00 Horas – Encontro no Arraial do Senhor da Pedra – Miramar.
12.00 Horas – Missa de Acção de Graças, na Capela Santa Teresinha – Francelos ,Gulpilhares,em memória dos nossos amigos já falecidos.
13.30 Horas – Almoço convívio no restaurante “ Flor do Paraíso”, sito na Antiga estrada Nacional 109 (Porto-Espinho); na A29/saída Gulpilhares.
EMENTA:
APERITIVOS: Camarão, Rissóis de carne, Rissóis de marisco, Presunto, Queijo, Rojõezinhos, Caprichos, Chamuças, Barriga de Porco da Brasa e uma surpresa da gastronomia da nossa região.
SOPA: Canja de Galinha, Creme de Legumes.
PEIXE: Bacalhau à Paraíso (em alternativa Filetes de Pescada)
CARNE: Lombo de Porco Assado no Forno e Cabrito Assado no Forno.
BEBIDAS: Vinho Verde da Casa, Vinho Maduro da Casa, Refrigerantes, Cerveja, Águas de Mesa.
SOBREMESAS: Salada de Frutas, Pudim Molotov, Pudim Francês, Tarte de Bolacha
DIGESTIVOS: Café, Brandy, Aguardente Bagaceira, Whisky Novo.
No final da tarde: - Churrasco; - Caldo Verde; - Bolo da Companhia e Espumante.
Preço por pessoa: € 26.00
Crianças dos 5 aos 10 anos: € 50%
Agradeço confirmação de presenças pelos números abaixo citados até ao dia 30 de Maio. (Pagamento a efectuar no dia do convívio).
Abílio Vieira – 22 7629132 ou 962 766 019
Abraço amigo,
____________________________
(Abílio Vieira)

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Diário da Guerra Colonial - Guiné 1966-1968


NOVIDADE
EDIÇÃO Maio-2009
Livro à Venda
ALANDROAL;
Posto de Turismo do Alandroal
TERENA:
Posto de Turismo de Terena
Igreja de Nossa Senhora da Boa Nova
ÉVORA:
Papelaria NAZARETH 
Papelaria DOM PEPE
Liga dos Combatentes
ADFA - Rua dos Penedos
Livraria Dom Pepe
Intermarché Papelaria Folheando

REGUENGOS DE MONSARAZ:
Intermarché  
MORA:
Fluviário de Mora
MATOSINHOS:
FNAC  MAR SHOPPING
Online WOOK:

CONTACTO do autor Luís de Matos 912604687 ou 969462666

BLOG:  luisdematos.blog.com






Tuesday, July 3, 2007

Acontecimentos - Ano 1966

No dia 20 de Setembro de 1966, o meu pelotão e uma secção de milícias, receberam ordens do Capitão Costa Gomes, para ir recolher lenha à mata e trazê-la para o quartel. Tínhamos um mês de Guiné. Éramos aquilo a que se chamava de “periquitos”, por termos pouco tempo de guerra. Estávamos na época das chuvas. Saímos do quartel, a pé para picagem da estrada, pois era uma zona muito perigosa e havia que ter o máximo das cautelas. Da coluna faziam parte duas viaturas para o transporte da lenha, e um unimog que tinha montado um abrigo, em chapa de ferro, bem grossa, com uma metralhadora, para nos dar apoio, caso viesse a ser necessário, pois quer o apontador da metralhadora, quer o condutor, eram militares já com provas dadas, uma vez que já tinham 17 meses de Guiné, enquanto que nós, tínhamos um mês e ainda não tínhamos dado um único tiro. A coluna deixou a estrada, que tínhamos acabado de picar e embrenhámo-nos no mato. O capim era mais alto do que as viaturas. Andamos cerca de 2 Kms. Chegados ao local para recolher a lenha, as viaturas começaram a ficar atascadas. Quanto mais se tentava tirar dalí as viaturas, maior era o lodaçal e as baterias das mesmas, cada vez mais fracas, até que deixaram de funcionar.


E agora? Bom, só há uma maneira de sairmos daqui, diz o alferes Manso. E pergunta? -


Quem é que se oferece para ir ao quartel buscar baterias?


Eu que me encontrava junto dele, disse-lhe: Vou eu meu alferes. Mal parecia que o não fizesse, uma vez que os outros furriéis, estavam ligeiramente afastados a cuidar da segurança.


Então, está bem. Leve os seus homens e vá. Olhe, Matos! Como já picámos a estrada quando viemos para cá, já não é preciso picá-la novamente, e assim, depressa lá se põe no quartel. Logo no início da marcha, o condutor do unimog, que por coincidência também se chamava Matos, diz-me:


Ó meu furriél, sente-se aqui ao meu lado, sempre vai um bocadinho mais descansado.


Não. Eu nunca largo os meus homens, e agora, também não. Sabe, nem me sentia bem eu ir aí montado e os moços a pé. Mas olhe, você é que pode ir andando, e quando chegar ao cruzamento, quando virámos prá qui, o meu amigo espera por nós, e depois, uma vez que já picámos a estrada, é só andar rapidamente para o quartel.


Estava longe de imaginar, que seria a última vez que falava com o moço. O condutor, assim fêz. Adiantou-se em relação ao grupo, talvêz, não mais de 50 metros. Quando estávamos já muito perto da viatura, sofremos uma emboscada, de que resultou a morte do condutor, o apontador da metralhadora gravemente ferido e um soldado milicia, também ferido, embora este, sem gravidade. Apesar de gravemente ferido, o Cabo apontador da metralhadora, acho até que nunca soube o seu nome. Que falha imperdoável esta! Não admira, era periquito…. O moço, ainda fez várias rajadas, até que a arma se encravou. Era uma Breda, daquelas da época da Guerra Mundial. Mal o tiroteio começou, dois ou três milicias foram a correr ao quartel buscar reforços, enquanto que outros, foram ao encontro do alferes e dos restantes camaradas que tinham ficado junto às viaturas, e um ou dois ficaram comigo a responder ao inimigo invisível. Recordo-me de ouvir uma série de obscenidades, ditas pela rapaziadado Norte, pois eram todos Nortenhos. Enquanto eu, revoltado com o que nos tinha acabado de acontecer, gritava bem alto. “Venham cá seus cabrões…. filhos da puta”. Eu sei lá…Foi uma sorte eles não terem vindo, senão tínham-nos apanhado à mão. É que eles fizeram o disparo e fugiram. O tiroteio, não durou mais de 2 minutos. Vimos depois o local, donde tinha sido disparado o roket, que vitimou o soldado condutor Matos. Do outro lado da estrada, a uma distância não superior a cinco metros, entre muitas, havia uma árvore, cujas pernadas faziam uma forca, e foi aí que o inimigo asssentou o lança-roket, para mandar a roquetada. Quando os soldados milícias chegaram ao quartel e disseram que morreu o Matos, os camaradas da minha companhia, que não sabiam o nome do condutor, pensaram que se tratava do Furriel Matos. A notícia, rapidamente se propagou como o fogo de um rastilho.Nem queriam acreditar. Efectivamente, também podia ter sido eu, caso me tivesse sentado ao lado do condutor. Mas o destino não quiz que isso acontecesse. Quem sabe, até se houve alí a mãozinha da Nossa Senhora da Boa Nova, a padroeira da minha terra. Fôsse lá o que fôsse, ainda hoje me parece um milagre. Não tinha que ser. Todos os anos, recordo o dia de S. Mateus, por este ser um dia que muito me marcou e continua a marcar na minha vida. Por mais que o tente esquecer, ele vem-me sempre à memória. Acho que a partir daí, comecei a ficar um pouco “apanhado do clima” ou “cacimbado”, como se dizia na Guiné.





Passaram cerca de 30 minutos, quando chegaram os reforços. Já tinha acabado o tiroteio. Não faltaram os abraços dos camaradas e palavras de conforto. Por outro lado, chorava-se a morte dum camarada. Ajudado por um ou dois soldados, retirei o ferido de dentro do abrigo da viatura. Com lágrimas de revolta, conjuntamente com os soldados que tinham ficado comigo, começámos a recolher o que foi possível recolher do resto do corpo do infeliz condutor, para as juntar ao que restava no assento da viatura. Que cena horrível e macábra, que jamais poderei esquecer.


Nunca senti que a linha da vida, tivesse estado tão perto da morte. Não há vez nenhuma, que veja a fotografia da viatura acidentada, toda a fumegar, que não imagine alí o pobre do soldado Matos, cortado ao meio pelo roket, que as lágrimas não me rolem pela cara abaixo. É muito difícil a gente esquecer-se de uma situação destas, mesmo que já tenham passado várias décadas. Será que sou diferente dos outros? Parece-me que não, pois tenho, cabeça, tronco e membros como os outros. Enfim, seja lá o que fôr.Finalmente, procedeu-se ao reboque da viatura inutilizada, que o seu condutor tinha baptizado com o nome de “Paulucha”. Nunca cheguei a averiguar o porquê deste nome. Seria em homenagem a um seu ente querido? Talvez?


Seguidamente, fomos recolher as viaturas que tinham ficado a cerca de 2 Kms, mas já em incidentes. Foi assim, o meu baptismo de fogo. Foi logo pra doer, e bater bem no fundo.


Quarenta anos depois, no dia seis de Junho de 2007, decorreu o 10º. convívio da companhia 1590 na Foz do Arelho, num restaurante de propriedade do camarada Joaquim Bernardo Coito, que foi Soldado Condutor Auto. Durante o repasto, o Abílio da Silva Vieira, que foi 1º. Cabo Atirador, da minha Secção, disse-me, que uma irmã do condutor Matos, reside também em Vila Nova de Gaia, próximo da sua residência. Um dia, calhou em conversa e o Abílio disse-lhe: “Olhe, sabe uma coisa, o seu irmão morreu ao pé de mim”. Não sei como acabou depois a conversa, que não perguntei ao Abílio. Mas dá para imaginar.


Embora tardiamente, pedi ao Abílio que, em meu nome, desse uma palavrinha de conforto à irmã do Matos, cuja morte, um dia chorei nas matas da Guiné, entre Bissorã e Barro. Habituado que estou, a tratar com todo o tipo de Imprensa, em que as nossas emoções não devem ou deviam contar, até para sermos isentos e imparciais, segundo o Código Deontológico, não consigo referir-me a este triste episódio, sem deixar cair algumas lágrimas. E devo dizer que não sinto vergonha por isso.


Dia 22 Emboscada à saída de Bissorã para Mansoa. 5 guerrilheiros inimigos mortos com armas abandonadas. A 816 levantou duas minas. Um milícia morto. Noite de 22 para 23 de Setembro. Golpe de mão à área de Jogudul.


Dia 25 Saída de Mansoa para Bissau.


Outubro /Dia 9 Coluna e escolta de Bissau para Mansoa, Bissorã e Olossato com passagem pela ponte Maqué. Viaturas e muita lama. Operação a Jracunda.


Dia 10 Saída de Olossato. Emboscada. Passagem por Bissorã, Mansoa, Safim, Nhacra e Bissau.


Dia 24 1º Grupo de combate vai para Massabá, 3º. Para Bissorã e 0 2º. Para Olossato. Construção da ponte de Maqué.


Dia 25 Dormida no abrigo da ponte de Maqué. Muitos mosquitos e vinho.


Dia 26 Saída de Olossato para Bissau. Bissorã, Mansoa, sem picagem de estrada por ser noite. Chegada a Bissau às 22 horas.


Novembro /Dia 30 Saída de Bissau para Ingoré do 2º. Pelotão. Passagem por Safim, João Alandim, Cacheu, Bula, S. Vicente e Ingoré.


Dezembro /Dia 2 Verificação e montagem de armadilhas na fronteira.


Dia 4 Patrulhamentos na zona de Carabana Cherie.


Dia 6 Chegada da companhia a Ingoré. 2º. Grupo de combate emboscado até às 20.30 horas e jantar às 22 horas.


 Dia 8 1º pelotão vai para Barro. 5 guerrilheiros mortos. Uma mauser automátia apreendida.


Dia 10 Picagem da estrada ate ao Sedengal. Há noite emboscados na pista.


Dia 13 Patrulhamento à zona de Carabana Balanta. Dois guerrilheiros presos no acampamento de Naga.


Dia 15 Patrulhamento à zona de Carabana Balanta.


Dia 17 Emboscados na estrada do Sedengal.


Dia 20 Montagem e verificaão de armadilhas. Emboscados na pista.


Dia 22 Emboscada desde as 4 da manhã às 15 horas Fome e calor.


Dia 24 Dia de Natal. Festa de despedida da 788. Ronda ao quartel. Bebedeiras em Ingoré.


Dia 28 Faço anos a 28 de Dezembro e neste dia fiz 22 anos. Mas, a guerra é a guerra. E, neste dia, a companhia foi fazer uma operação junto à fronteira do Senegal tendo sido baptizada com o nome de “Dragão”. Diz-se que fizemos 5 mortos ao inimigo,nunca os vimos, mas diz-se, enquanto que, da nossa parte, apenas um soldado nativo levou um tiro na boca, tendo sido evacuado para Bissau. Que sorte a dele e que acontecimento raro, dizia-mos nós uns para os outros.


Dia 30 e 31 Emboscados na pista e ponte de Ingoré.


      Posted by luis de matos at 22:07:10 | Permalink | No Comments »

      Rogério Cardoso






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      A Paulucha o unimog que servia de auto-metralhadora, em que morreu o condutor
      Matos foi uma construção minha, quando estava em Bissorã.Era da comp.643 os
      Aguias Negras, das melhores comp.operacionais que passaram pela Guiné, os co-
      mentários assim o demonstram.Era uma homenagem à minha filha nascida em Novº
      de 1964, foi batizada por mim e pelo SarºHipólito já falecido.Presto aqui uma
      homenagem ao ex-Cap.Silveira nosso grande com.compªassim como a todo o pesso-
      al Aguias Negras.Lembro que o nosso encontro em 2010 é a 10 de Abril em Fáti-
      ma, contactem pela net ou 939339340.Um abraço a todos os combatentes Rogerio

      Luís de Matos (resposta)
      Caro Companheiro e Camarada Rogério Cardoso
      Não tive o prazer de te conhecer naquele tempo de passagem por Bissorã. Todos sabemos quão difíceis foram aqueles tempos da guerra colonial. Quando escrevi o que se passou naquele fatídico dia  20 de Setembro de 1966, tinha a certeza que "Paulucha" era um nome que tinha sido posto em homenagem a alguém muito querido.Não me enganei. Não podes imaginar a emoção que de mim se apoderou quando li o teu comentário ao meu blogue quando te referistes concretamente à PAULUCHA. Este pequeno/grande pormenor é sintomático de que o Diário da Guerra Colonial, escrito à 40 anos mas só agora publicado, é a mais pura realidade passada no meu tempo de juventude, ou melhor, do nosso tempo de jovens de grande coração.
      Obrigado Companheiro, por confirmares e dares a conhecer a realidade.

      quarta-feira, 13 de maio de 2009

      Lontra Lia

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      domingo, 22 de março de 2009

      CENAS DA ESCOLA PRIMÁRIA

      Decorria a década de cinquenta. Na escola Primária de Terena, a professora Maria dos Anjos, da 3.ª classe, era muito boazinha para os seus alunos e ensinava bem. Nós aprendíamos com ela. Gostávamos muito dela. Parece-me que era professora Regente. Era irmã do Zé Tátá que era o farmacêutico e mulher do professor Cláudio. Homem austero, no mínimo. Mas então que havia lá uns rapazinhos, que se estavam simplesmente nas tintas para as letras e para as contas. Por mais que a professora se esforçasse eles não estavam para aí virados. Não havia forma de aprenderem e a maior parte das vezes provocavam desacatos com os colegas mais novos. Estava-lhe na massa do sangue. O que eles queriam era brincadeira. Ora, a professora deve ter dito ao marido para ir à escola pôr determinados meninos na ordem. O professor Cláudio era duro. Com as crianças, claro.
      Lidar com este tipo de rapaziada, ensiná-los a ler e a escrever, limar-lhe as arestas, fazer-lhe ver que não é só ir nadar para a ribeira do Lucefécit, ir aos ninhos para o Cerrado, Vila Velha ou Boa Nova, jogar o pião, ao afincão, ao botão, ao berlinde e à bola, mas que há outras coisas belas e que deviam aprender. Isto é, criar-lhes as bases de futuros homens, mas isso eles não queriam ou nem sabiam o que isso significava. Mas o professor achava que valia a pena, e para moldar aquela rapaziada, tinha que exercer alguma pressão, e essa, segundo a sua maneira de ver o problema, só podia ser através de algumas bofetadas. Só que a maior parte das vezes passava das marcas. Devo dizer que a mim nunca me calhou nenhuma, pois fazia por aprender e principalmente porque tinha medo das reguadas. Porque quando batia era a doer e havia que resguardar o pêlo.
      Um grupo de alunos , tendo como líder o Artur, mais conhecido por Roupa Santa, na brincadeira, partiu uma espingarda de madeira, no gargalo do poço, daquelas que o Estado Novo fornecia às Escolas Primárias para os alunos fazerem exercícios e atirou-a para dentro do poço existente na courela do ti Galhetas, próxima da casa do professor Cláudio, situada junto à estrada que vai de Terena para o Monte dos Vicentes, Monte Inverno e Monte da Garçoa, sendo este último propriedade do ilustre Cavaleiro Tauromáquico, Mestre Simão da Veiga. Era neste último monte que Mestre Simão treinava os cavalos, cujo tratador era o José Pereira , mais conhecido por Zé Caguincha.
      Os alunos ouviram o ruído da mota cucciollo do professor. Olha, vem além o professor. Todos fugiram, com excepção do Roupa Santa e do Rufa.
      - É pá! Então e agora o que é que fazemos?
      - Olha, atiramo-la aqui para dentro do poço para ele não a ver.
      - Não. A gente leva-a, prego-lhe uns pregos lá na oficina do meu pai e amanhã colocamo-la lá no armeiro e levamos outra boa. Ele nem chega a saber.
      - Então vá. O Rufa desce ao poço. Este, tinha apenas um poça de água. As paredes eram feitas de pedra de xisto e portanto havia buracos onde o Rufa se pudesse agarrar para subir. Quando vinha a subir, já com a espingarda a tiracolo, chega o professor.
      - Com que então, o menino partiu a espingarda e atirou-a para dentro do poço?
      - Não fui eu, senhor professor. Eu só já a vi partida.
      - Está bem. Depois falamos.
      No dia seguinte:
      - Mau! Hoje ela não vem, vem ele. Mau! Afitei logo as orelhas, disse o Rufa.
      - Olha, cai-se comigo à porrada, foi até lhe apetecer.
      - Sente-se.
      - Deixa-te estar que nunca mais me bates. Nunca mais cá me apanhas.
      - O companheiro de secretária do Rufa, era o João de Matos.-
      - Pediu ao companheiro que o deixasse passar para o lado da janela, que já tinha visto que estava aberta. Pôs um pé em cima do banco, outro na carteira e saltou para o pátio.
      - O professor ainda mandou uns gaiatos correr atrás do Rufa, mas quando se aperceberam, já ele estava ao pé da casa do Espada, que fica a cerca de duzentos metros da escola. O Rufa só já voltou à escola, depois do professor ter saído de Terena para Santiago Rio de Moinhos. Então as novas professoras, que foram morar para uma casa que era do Mestre Simão da Veiga, ali na Rua 1º de Dezembro, junto ao Pelourinho, é que fizeram com que o Rufa voltasse novamente à escola. Ainda hoje, quando perguntamos ao Rufa pelo professor Cláudio, surge logo a resposta na ponta da língua.
      - Isso era bruto dos “quexos”.
      Noutro dia, o professor vá de chamar ao quadro o Mariano, de alcunha o Padola. Como não soube resolver o problema, aconteceu-lhe o mesmo que ao Rufa ou talvez mais grave. Os puxões de orelhas não tardaram, até garrar as ditas. Mas ele não chorava. Era rijo, o Padola.
      - Agora anda cá tu, José Mira para ver se ensinas aqui o burro do teu irmão. Este, tinha por alcunha “o Turista”. Eram gémeos. Como também não sabia, vá de malhar no rapaz. A coisa foi tão feia, que a mulher, senhora dotada se uma grande bondade e sensível como era, já suplicava ao marido para deixar o gaiato.
      - Noutra ocasião, o Alberto Mira não fez os trabalhos escolares marcado para as férias grandes. O professor, perguntou-lhe porque é que não tinha feito os trabalhos.
      - A minha mãe não tinha papel para acender o lume e queimou o caderno, senhor professor. Mas não estava lá muito à vontade, pois já sabia o que o esperava quando o professor descobrisse que estava a mentir.
      - Ó diabo! Aqui há gato! Queimou o caderno? Vamos ver.
      - No dia seguinte, o professor encontrou a tia Adelina, mãe do Alberto e perguntou-lhe se tinha queimado o caderno do filho.
      - Eu não, senhor professor. Então fazia lá uma coisa dessas? Queimar o caderno do meu Beto?
      - Ai o malandro do gaiato! Já sei que não fez os trabalhos da escola, pensou a mãe.
      - Está bem. Quando chegou à escola, chamou o Alberto e aí é que foi malhar.
      Naquele tempo, castigavam-se demais os alunos. Para agravar a situação, ainda havia pais, quando iam levar o filho à Escola diziam esta bonita graça :
      - Senhor professor! Só lhe quero a pele para fazer um tambor.
      Um belo dia, a tia Adelina andava num grande alvoroço com as vizinhas.
      - Ó vezinha! Atã nã quer lá ver esta? Alí o gaiato do ferrero, aquele bruto, aquele malandro, veio aqui ó mê quintali fazer o serviço na escolatera, onde eu faço o caféi. Mas isto nã fica assim!
      A tia Adelina, vá de ir repetir esta lenga-lenga ao professor.
      - Fazer o serviço? Mas que serviço? O professor a puxar por ela, e a ti Adelina com vergonha de empregar a palavra cagar
      - O Zéquinha foi chamado ao professor e levou uma grande sova.
      “Aqui não há chi, nem chá, nem pó de ferreiro”, e vá de dar lambada no pobre do gaiato.
      Ainda hoje quando a gente lhe pergunta, então Zéquinha como estás? Estás bom? Com cara de poucos amigos e de imediato, diz-nos: Eu chamo-me José Dias.
      - Pronto, está bem.
      Também havia um aluno muito irrequieto, aquilo a que chamamos, velhaco. Era o Inácio Corneta, de alcunha o “Chouriça”.
      Quando por qualquer motivo, por brigar com outro colegas, ou por não saber a matéria escolar, o professor chegava-lhe logo a roupa ao pêlo. Batia-lhe por tudo e por nada. Levava muita ponteirada, pontapés, reguadas e bofetadas. Quando começava a bater, cegava. E o que era ainda mais grave encerrava o pobre da gaiato num armário de madeira e lá passava tardes inteiras. Em sinal de protesto, por muitos murros e pontapés que o chouriça desse no armário onde estava encerrado, que até lhe devia faltar o ar, o professor era obrigado a “soltá-lo”.
      No final das aulas, ouvíamos o professor dizer:
      - Bom meus meninos, arrumem lá as coisas. Vamos lá embora. Por hoje já chega. Abram lá a porta do armário ao chouricinha. E então lá estava o rapaz , pequenino e franzino como era, todo encolhido a um canto do armário.
      - Até amanhã chouricinha, dizia o professor.
      O Chouriça não dizia nada na frente do professor, mas cá fora, no alpendre da escola, onde o professor já não ouvisse nem o visse, dizia:
      Até amanhã, até amanhã!
      - Uma pouca de merda, que é para me meteres dentro do armário outra vez, não?.
      Luís de Matos

      Quadros do Rossio e da Ribeira do Lucefécit

      Quando chegava o calor, bem no pico do Verão e das debulhas, era para mim um regalo ir dormir ao ar-livre, no Rossio, junto às almenaras de palha e cereal, pois era ali que os pequenos seareiros faziam as debulhas. O Rossio era um terreno com uma área de vários hectares, onde não havia qualquer construção. Nele estava implantado o campo de futebol. No restante espaço, todo o género de animal podia pastar à vontade. Em determinadas áreas, era até um terreno um pouco lamacento. Mas havia também espaços onde predominava o xisto, isto é, a eira estava feita por natureza. Eram esses os locais onde se faziam as eiras para a debulha e todos os anos se repetia o mesmo quadro. Cada pequeno agricultor já tinha a sua eira marcada. Esta situação durou até à década de setenta. Após 25 de Abril, altura em que a Junta de Freguesia e a Câmara urbanizaram todo o espaço para vivendas, se existia uma estrutura fixa, que era o campo de futebol, tiveram que arranjar uma alternativa e o Campo de futebol foi mudado para a zona das Alcaçarias, onde ainda hoje existe e com boas práticas para a modalidade.
      Na época, um dos seareiros era o meu tio Joaquim Mira, que o meu pai alcunhou de “barbinhas”. Era um homem fantástico. Ele era de baixa estatura, mas rijo como ferro. Ao longo da vida teve vários acidentes. Ou de trabalho ou até quando se deslocava de motorizada. Como daquela vez que vinha de Montes Juntos, com um copito a mais, se despistou indo embater numa oliveira e que partiu uma perna. Quando o fui visitar ao Hospital de Évora, até parecia que não tinha sido nada com ele. Encarava o sofrimento e as dores como se fosse uma coisa normal. Era realmente um homem de rija têmpera. Nunca vi nada assim. Devido a todos esses acidentes que teve ao longo da sua vida, tinha as pernas e os braços ligados com porcas e parafusos, como é usual dizer-se. Mas isso não o impedia, de continuar a fazer trabalhos difíceis e sempre com um sorriso nos lábios.
      Tinha pelo “Barbinhas”, o maior respeito e amizade. Aliás, a prova disso mesmo, era a forma como nos tratávamos. Quando era criança, deixava-me andar montado no trilho, enquanto ele, sob um sol abrasador calcorreava a eira ao lado da mula ou do burro a comandar as operações da debulha do cereal. Bom, rapaz, já chega. Vai pra casa qu’isto tá um sol que até quêma rolas.
      Num desses dias, enquanto o cereal estava na eira à espera de ser debulhado, o José Major, de alcunha “ o charuto”, na brincadeira com o Inácio, filho do “Barbinhas” puxou fogo à cevada, que era o dito cereal Antes que o Barbinhas lhe pusesse as mãos em cima, o nosso amigo”charuto” fugiu e ficou o Inácio a tentar apagar o fogo. Apesar da sua boa vontade, para remediar o mal, não se livrou de levar uns bons sopapos do pai. Pudera! Não era caso para menos. É que tinha acabado de arder a seara, fruto de um ano de trabalho e que certamente, muito iria contribuir para a economia familiar, já de si bastante debilitada. Devido a este episódio, o pai passou a chamar-lhe de “ puxa fogo” e ainda hoje toda a gente só o conhece pela alcunha que o pai lhe pôs. E a coisa pegou tão bem, ficou tão enraizada, que o filho do Inácio, o Luís, também é só conhecido por “puxa fogo”. Por sua vez, o Afonso, filho do Luís, que tem agora cinco anos, também só já o tratam pelo neto ou filho do “puxa fogo”. E o que certo, é que o rapazinho responde à chamada, sempre com um sorriso de orelha a orelha.
      Certo dia, por altura das férias do verão combinei com o meu primo João de Matos, a quem chamávamos “Salta Regos” para irmos ver os nossos avós, depois da devida autorização paternal, evidentemente. Mas não podíamos ir a pé, pois era longe de Terena. Ele pediu o burro emprestado ao pai. O Burro chamava-se Portugal. Lembro-me como se fosse hoje, apesar de já ter passado mais de meio século. Era preto e pequeno. Um burro inteiro, isto é, não tinha sido capado, daí que tivesse um grande par de tomates. A nós, causava-nos muita estranheza e então quando o burro via uma burra, era muito difícil segurá-lo. Montamo-nos no irrequieto jumento. O caminho era sinuoso e agreste. Saímos de Terena, passámos a ribeira do Lucefécit em direcção ao Monte de S. Miguel da Mota, também conhecido pelo monte Endovélico.
      O “Salta Regos” era como se fosse o dono do animal , pois o pai tinha depositado nele toda a confiança. Por direito próprio era o condutor. Sentia-se muito importante. Para nós, gaiatos com oito ou nove anos, era uma grande aventura aquela viagem. Era como se fossemos ao fim do mundo. Andar de burro, pelo meio de estevas e piornos, mais altas que um homem, lá no alto, como se fosse uma grande serra, víamos o Monte de S. Miguel da Mota, onde outrora teria existido uma coisa muito estranha. Para nós, no nosso imaginário infantil, só víamos homens com espadas e escudos, lanças, setas e tesouros enterrados. E vai daí, tiro esta da cartola.
      – Ó João! O burro é tão pequeno! Já viste que a gente quase que chega com os pés ao chão? Se eu caísse, não chorava. Palavras não eram ditas, o animal tropeçou e eu, zás com os costados no xisto. Escusado será dizer que choraminguei um bocado. Mas logo passou, tal era o contentamento que tínhamos de chegar ao pé dos nossos avós. E tínhamos que chegar com um ar de grandes homens, pois havíamos feito uma grande viagem sozinhos.
      – Ó Luís, então que não choravas?
      O Salta Regos, levou o resto do caminho sempre no gozo comigo. quando de tempos a tempos nos juntávamos, de uma maneira geral, sempre por qualquer fatalidade familiar, nos vinha à mente aquele pequeno acontecimento. Infelizmente, hoje já não podemos reviver esses agradáveis momentos, pois o “Salta Regos”deixou-nos a todos há pouco tempo. Foi aquela maldita doença sem cura que o levou. Foi a enterrar numa manhã fria, tanto chovia como fazia sol. Foi uma manhã muito triste que vivida em Montemor-o-Novo. O meu querido primo irmão. Amigo do coração, como se diz na nossa terra. Mas continuando.
      Não havia pego na Ribeira do Lucefécit, desde onde outrora foi a horta do ti Zé Borrego até às Aguas Frias, um pouco mais abaixo da Boa Nova, onde actualmente chega a água do Alqueva que a gaiatada não conhecesse. E a pesca à lapa? Havia rapazes que eram uns mestres nessa arte de pescar. Eu confesso que nunca tive grande jeito. O que eu me recordo muito bem é que num dia, ao meter as mãos num buraco da margem, um pouco mais abaixo do poço do Morais, veio um rato pendurado pelos dedos. Foi cá um cagaço!
      E os banhos?
      Cortava-mos buinho e com ele fazíamos molhos que atávamos para servirem de bóia e assim, aprendíamos a nadar. De uma maneira geral, fazíamos um grupo; O João Dinis (janita), o Manel Zé Cebo, o Alberto, o Fragas, o Nau, o Zé Cachola, o Caturra, Salta Regos e outros que agora não me ocorre. Todos nós morávamos na parte velha da Vila, com excepção do meu primo Alberto que morava na Estrada das Hortinhas, onde é hoje o Bairro do Rossio. E os moinhos da Ribeira do Lucefécit? Tudo isso desapareceu com a construção da Barragem. .
      Na Horta do Paiva, era assim que era conhecida, ainda hoje lá existe um forno de cozer telha, ladrilho e baldosas. Todos os anos, pelo verão ali se instalava o Mestre Zé Bilro, com a família, vinda de Borba. O meu pai, era o único homem de Terena que trabalhava com o Mestre Zé e os dois filhos. Bons amigos e boa gente. No final do verão terminava a faina e regressavam a Borba. Todos os anos se repetia a mesma cena. O Mestre Zé, só vinha a Terena por altura da Festa da Boa Nova, e lá ia ele fazer sempre uma visita ao meu pai e logo nesse dia tratavam de combinar o trabalho do próximo verão. Isto durou vários anos, até que a vida tomou outro rumo. O meu pai foi trabalhar para outro lado e o Mestre Zé também nunca mais voltou ao telheiro. E o telheiro também nunca mais trabalhou. Não há quem lhe dê vida, apesar daqueles materiais terem muita procura.
      No final do verão, os artesãos da telha e ladrilho, juntamente com o pessoal que trabalhava na Horta e na vacaria, poderiam ser oito ou dez homens ao todo, era hábito fazerem uma pescaria na Ribeira do Lucefécit. Mas o filho do Feitor, o António e eu próprio também participávamos no almoço. Era uma festa. Nessa noite não dormíamos a pensar na pescaria. Não nos interessava o almoço, mas antes toda aquela azáfama Partíamos de Terena com uma carroça carregada de todos os utensílios e comestíveis necessários. Só faltava o principal que era o peixe. Não havia problema. Para onde íamos, era o que lá não faltava. Chegados ao local, os homens descarregavam a carroça. Logo ali se combinavam e se fazia a distribuição das tarefas que cada homem ia fazer. Uns, estendiam o tresmalho para apanhar o peixe e também eu, com os meus oito ou nove anos, já queria ajudar na faina. Passadas algumas horas, poucas, porque a fome apertava, alguns dos homens procediam ao levantamento das redes para recolha do peixe, enquanto outros acendiam o lume e colocavam uma panela com água a aquecer. Outros, iam tratando dos temperos e pôr a mesa. Quando se recolhia a rede, os peixes eram colocados numa caixa de madeira e tiravam-se as escamas. Com o peixe macho e os achigãs fazia-se a caldeta. E que maravilhosas que eram!. Aquele cheirinho a poejo e a hortelã da ribeira. Os peixes mais pequenos eram fritos, depois de temperados com sal, alho e hortelã da ribeira. Punha-se a mesa à sombra de uma azinheira ou encostada à parede do moinho, o mais perto possível da água. E vá de dar ao dente. Tem cuidado rapaz, para não engolires nenhuma espinha. Olha que é perigoso, diziam-me. Mas o meu pai tinha um cuidado redobrado com o filho. Era um petisco de fazer crescer água na boca. Tudo era bom. Recordo-me que até os homens eram bons. Havia sinceridade nas palavras e os actos por eles praticados eram sinceros e correctos. Os homens acompanhavam a refeição com vinho branco ou tinto e eu, com um pirolito do Chico Zé, de Vila Viçosa, (que na época abastecia todas as tabernas e mercearias das redondezas) ou com água do cântaro de barro ou do barril, que também era muito boa e fresca.

      sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

      Dinheirinho Numa Mão E Bacorinho Na Outra

      Diamantino José Neves Rosado, nascido e criado no Alandroal. Todos o conhecem por “Sarlica”, nem ele responde por outro nome. Actualmente, tem cerca de oitenta anos. Bom trabalhador e um certo jeito para o negócio, embora nunca se lhe conhecesse nada duradoiro. Quando era novo tinha uma força notável. Foi um bom pegador de toiros e isso via-se nas touradas realizadas por altura das festas em honra de Nossa Senhora da Conceição que têm lugar no mês de Setembro. no Alandroal. Depois de reformado, o Dr. Quintino Lopes, contratou-o para cuidar da quinta que este possui no Alandroal. Com a devida autorização do proprietário, começou a criar porcos para engorda, que depois vendia para a tradicional matança alentejana. Engordava-os com alguns sobejos de comida e milho. A boleta só lhe a dava, quando faltava um mês para a matança, o que fazia com que carne ficasse mais saborosa. O xiqueiro, onde engordava os porcos, estavam sempre limpos de restos de comida. A água é que era sempre abundante nas pias. Deviam ser felizes os animais, a avaliar pelo repouso que tinham. Depois de fartos, faziam belas sonecas que era um regalo ouvi-los roncar, diria até que era de meter inveja a muito boa gente que, sejam quais forem os motivos, quer dormir e não pode.
      O Sarlica é tio da minha mulher e um bom contador de histórias. Muita gente, nas quais eu me incluo, gosta de ouvir as suas facécias. Hoje, devido à idade avançada e doente, já não é o que era. Adorava a sua companhia, principalmente pelas mentiras descaradas que nos tentava impingir sempre com muita graça. Outras vezes, não pela graça, mas pela forma como se expressava. Ele inventava uma pequena historieta de um momento para o outro.
      Um dia perguntei-lhe:
      Ò Sarlica, tens lá porcos para vender?. Precisava de um para matarmos aqui na quinta.
      – Tenho, mas já sabes. É dinheirinho numa mão e bacrinho na outra.
      Ainda hoje, já passados uma boa dezena de anos, o meu amigo João, que eu tinha convidado para me acompanhar de Évora ao Alandroal e que assistiu a esta pequena tentativa de negócio me diz: Ó Luís! E então aquela do ti Sarlica? Dinheirinho numa mão e bacrinho na outra?
      Luís de Matos

      sábado, 14 de fevereiro de 2009

      O Velho Gasparão

      O Ti Gaspar, mais conhecido por Velho Gasparão, era um homem muito alto, forte e com uma grande barriga. Toda a sua vida foi Guarda de Pastagens no Monte do Pigeiro. Andava sempre de mochila às costas. Usava calças de cotim e camisa aos quadradinhos pequenos e bota cardada. A camisa era atada mesmo por cima do cinto de cabedal. Era natural de Terena e morava na rua das casas novas, mais ou menos defronte do prédio do Dr. Galhardas. Depois de reformado passou a andar de monte em monte como guardador de gado, em substituição dos maiorais que por qualquer motivo tinham que se ausentar e faziam-no por vários motivos; por doença, casamento ou por falecimento de um familiar ou amigo.
      O Velho Gasparão tinha fama de comer muito e pelos vistos tinha também o proveito. Certo dia, o Ti Joaquim Alho que era o cozinheiro do Monte do Pigeiro viu que o Velho Gasparão se aproximava do monte e disse para os presentes.
      – Olhem! Vem além o Velho Gasparão. O que é que acham? Vamos pregar-lhe uma partida?
      Todos concordaram.
      Quando o Velho chegou, como pessoa educada que era, cumprimentou com um “Boas Tardes”, ao que todos corresponderam.
      – Então Ti Gaspar já ceou hoji?
      – Nã senhori, mas comia umas sepinhas, se prá aí houvesse.
      – Então nã há-de havêri Ti Gaspari!. Vou-lhe fazêri uma açorda, disse-lhe o cozinheiro.
      – Está bem. Munto obrigado.
      Era normal, que nos montes houvesse sempre uma panela de ferro com água ao lume. O Cozinheiro começou de imediato a pisar os tempêros, que eram poejos e pôs-lhe duas ou três malaguetas para testar o sabor e para ver até que ponto o estômago do bom do Ti Gaspar aguentava, pois tinha fama de comer muito. Enquanto esperava que a água fervesse em cachão, migou um pão de quilo para as sopas da açorda, colocou os temperos e o azeite num alguidar de barro, certamente comprado ao Ti Firmino ou ao irmão que eram louceiros do Redondo e que andavam por aldeias e montes a vender loiça e abafou a açorda para o pão crescer bem. Passados uns cinco ou dez minutos, já o pão tinha crescido quase para o dobro. Pensou o Ti Joaquim Alho. Está mesmo boa. Hoje é que vamos ver até que ponto é que o Velho Gasparão come muito.
      O cozinheiro chamou então o bom do homem para se sentar à mesa, que a açorda estava pronta.
      Enquanto o Velho Gasparão ía comendo a açorda, os outros, com os olhos arregalados por tão grande apetite, assistiam a todo este quadro. O Velho comeu a açorda toda e, também bebeu o caldo.
      Perguntou-lhe o cozinheiro.
      – Então Ti Gaspar a açorda estava boa?Se estava! Só foi pena o caldo ter um bocadinho de picante a mais.

      domingo, 1 de fevereiro de 2009

      O GUARDADOR DE CABRAS

      Foto: Cabras - João de Matos

      Era uma vez um rapazinho, de seu nome Manuel. Era o mais velho dos seis irmãos e os pais eram muito pobres. Nos tempos difíceis que corriam, tinham dificuldade na alimentação. O trabalho que havia era pouco e sazonal, e não havia dinheiro suficiente para alimentar os filhos. Durante a noite, os pais pensaram que o melhor seria o Manuel ir trabalhar. Mas como, se ainda era uma criança? Deram voltas ao sentido, a pensar que tipo de trabalho é que ele poderia fazer. Sempre é menos uma boca cá em casa. É para o bem dele.
      - Não achas, Esperança?
      - Ai homem, mas então o nosso Manuel….ainda tão pequenino…meu rico filho…
      - Já sei, vai guardar cabras. Vai para ajuda do ti Inácio. Ainda ontem ouvi o Chico das Lebres dizer na taberna do Zé Diogo que o ti Inácio, que agora anda no Monte da Misericórdia, precisa lá dum “ajuda”. É bom homem e trata bem os ajudas. Pelo menos não lhes bate, como muitas bestas que por aí há. Vais ver que também vai tratar bem o nosso Manuel. Não chores mulher. Deixa lá…
      - Deus queira que sim. Eu também acho. Ele é boa pessoa. Achas que o ti Inácio quer lá o nosso Manuel? E a escola? O nosso filho já não vai à escola?
      - Ó mulher, deixa lá a escola, porque primeiro está a barriga. Quanto ao ti Inácio, vais ver … Que diabo, ele precisa lá dum “ajuda”. Vais ver… Amanhã vou falar com ele. E assim foi.
      O pai do Manuel, logo ao romper do dia, dirigiu-se ao monte da Misericórdia para falar com o ti Inácio. Uma vez que ainda era cedo, encontrou-o no bardo das cabras. Estava mesmo a acabar de varrer o bardo, para sair com o gado para a pastagem. O bardo é constituído por feixes de arbustos como a esteva, aloendro, piorno e outro tipo de mato. É uma espécie de paliçada em forma de círculo e com uma entrada virada a nascente. Com a chegada da Primavera, o bardo é substituído por outros portáteis, constituídos por cancelas de ferro com cerca de três metros de comprimento por um metro de altura. Este tipo de bardo, é mudado de vez em quando, para melhor aproveitamento do estrume.
      - Bom dia ti Inácio.
      - Ó Joaquim, bom dia. Então homem, o que é que te trás por cá, assim tão cedo?
      - Sabe o que é, ti Inácio. Tenho lá o meu Manuel, isto está mau…não há trabalho… não se ganha nada… nem dá para açorda…
      - E então homem, desembucha.
      - Ontem ouvi o Chico das Lebres dizer, lá taberna do Zé Diogo, que precisava cá dum ajuda e então olhe, vai daí, disse à minha Esperança, qu’isto era capaz de ser bom para o meu Manuel. E olhe, aqui estou, a ver se o ti Inácio cá mete o rapaz para seu ajuda. Você não o conhece, mas asseguro-lhe que não se arrepende. É um bom rapazinho.
      - Ora essa! Joaquim. Não duvido. Basta tu dizeres e ser teu filho. Até vem mesmo a calhar. É que estou mesmo a precisar. Então quando é que o rapaz pode vir? Combinamos o dia e vem cá trazer o rapaz. Quando é que te dá jeito?
      - Então está bem. No fim do mês, está certo? Isto são mais dois ou três dias, e entra a mês certo.
      - Está combinado, vem cá trazer o rapaz. Já sabes qual é o ordenado? Claro, ainda não te disse. São setenta escudos. Sei que é pouco, mas é o que por aí se paga. Manda-lhe uma manta, que isto aqui à noite arrefece. Chega uma manta. Se tiver frio, tenho ali uma pele de ovelha, que sempre ajuda. É melhor do que uma manta, mas…uma manta, sempre é uma manta.
      O Manuel tinha apenas dez anos. Não passava duma criança. Disse aos pais que não queria ir para o campo guardar cabras, tinha medo da noite e dos lobos. Queria antes brincar com os amigos. Queria jogar a bola e ir aos ninhos ver os passarinhos, ir para a ribeira nadar e ver os peixinhos.
      - Mas os pais, com muita paciência, sabe-se lá o que lhe ia na alma, convenceram-no a ir.
      Quando chegou o dia combinado com o ti Inácio, o pai foi levar o Manuel ao monte da Misericórdia, muito longe de casa, e logo na primeira noite dormiu numa choça, numa cama muito rudimentar, ao lado do cabreiro. No chão, estava estendida uma esteira de buinho. Era esta a sua cama, e tão pobre, que nem tinha lençóis. Era tudo muito áspero e frio, mas o pior que tudo, eram as muitas saudades dos irmãos e dos pais.
      - Vá lá Manuel, levanta-te para ires ao monte buscar a açorda para o almoço.
      Mas… ainda é de noite? Eu tenho medo.
      - Medo? Qual quê, qual carapuça. Aqui não há medos e ninguém te faz mal. Vai lá. Olha vais aqui por aquela vereda que te ensinei ontem, vais sempre em frente, apanhas a estrada, andas mais um pouco e estás no monte. Vais ver que não é difícil. Tem cuidado, não te percas no caminho.
      O Manuel, a muito custo, ainda cheio de sono, levantou-se, e depois de o cabreiro lhe ensinar o caminho, lá foi buscar a açorda.
      Chegado ao monte, a cozinheira, perguntou-lhe como se chamava:
      - Sou o Manuel.
      - Então quantos anos tens Manuel?
      - Tenho dez.
      - Ah sim. Está bem Manuel. Então aqui tens o caldo da açorda. O ti Inácio tem lá pão, miga umas sopas e pronto. Tenham bom proveito. Tapou a marmita de esmalte azul, e disse-lhe:
      - Vai Manuel, leva a açorda ao ti Inácio antes que arrefeça. Tem cuidado, vê lá não caias para não a entornares, que isto ainda é de noite.
      O Manuel, saiu do monte, pela estrada de terra batida. Depois apanhou a vereda até ao curral das cabras e à choça onde o cabreiro o aguardava para o almoço ao romper do dia. Quando saiu do monte ainda era de noite. O Manuel, como tinha medo, de andar por caminhos que desconhecia e por ser ainda de noite, de tanto bandear a marmita, quando chegou junto do cabreiro, a açorda não tinha praticamente azeite. O que lhe valeu um grande reparo por parte do cabreiro, pois a açorda era só água. Por muitos dias se repetiu esta cena, até que o Manuel, se habituasse à sua nova vida e deixasse de ter medo de andar no campo, de noite sozinho, a ouvir o canto das corujas. Tudo lhe metia medo. Pudera, o rapazinho nunca tinha saído de casa.
      Entretanto o Manuel ia crescendo, crescendo, até se fazer um jovem. Começou a pensar que aquela vida não lhe servia para ele. Queria uma vida melhor. Entretanto, foi trabalhar para outro lado. Arranjou outra profissão, onde não andasse de noite, e que tivesse outro futuro mais promissor.
      O Manuel, trabalhava durante o dia e à noite ia estudar. Tirou um curso secundário, e matriculou-se na Universidade em Lisboa no curso de medicina. Queria ser médico. Entretanto apaixonou-se por uma colega, paixão essa que resultou num autêntico fracasso. O desgosto de amor foi tão grande, que deixou de ter cabeça para continuar a estudar, entregando-se ao rei Baco. O vinho tomou conta dele, tornando-o numa pessoa irascível. Nunca chegou a acabar o curso, embora lhe chamassem doutor, e regressou à sua aldeia. Tinha barba rala, alto, magro e pele trigueira, o que fazia dele uma figura típica da aldeia. De porte altivo, encarava com arrogância e desassombro qualquer pessoa, dando a impressão que nadava em dinheiro… Durante o dia, entrava várias vezes nas tabernas a matar o bicho. No fundo, era boa pessoa, nunca se esqueceu do seu passado e ajudava todos por igual, quer fosse rico ou pobre, não lhe cobrando um tostão. Vivia daquilo que lhe queriam dar.
      - Deixe lá ver essa língua… e esse pulso. Isto está mau!
      - Oh! Senhor doutor…não me diga que vou morrer!
      - Não…mas anda lá perto, digo-lhe eu! E não me contradiga, ouviu bem? Você não sabe o que diz. O que é que comeu hoje?
      - Ele, senhor doutor - Comeu uma torradinha com banha de porco e café… dizia a mulher, metendo-se na conversa.
      - Cale-se. Não diga asneiras, você é como ele. Isso é lá coisa que se coma? Manteiga de porco ou banha de porco...isso é uma porcaria. Isso é lá comer de gente?
      - Ai senhor doutor, não me diga que vou morrer.
      - Ai senhor doutor, não me diga que o meu José vai morrer, meu Deus.
      - Cale-se já disse. O seu marido não morre porque estou eu aqui. Fique descansada que não vai além para o cemitério, tenha a certeza disso.
      - Veja como ele está vermelhinho, coitadinho do meu José. Está ardendo em febre! Meu pobre marido, coitadinho!
      - Ardendo em febre? Você sabe lá o que diz. A febre, é coisa que se tenha assim sem mais nem menos. Você sabe lá o que é isso. Deixe-se de parvoíces, sua alma de marmelada. Você até me faz secar as goelas! Não tem pr’ai uma gota de vinho para me matar a sede que me tem feito com essas parvoíces que tem dito? Febre! A gente sempre ouve com cada uma a esta gente! Gente esta! …Venha daí esse vinho!
      - Foi o meu filho, buscá-lo à taberna do Zé Diogo. Tenha paciência que o quartilho já vem.
      - Mas diga lá senhor doutor, o que é que hei-de fazer ao meu José. Que está tão doente?
      - O que lhe há-de fazer? Olhe, para começar deixe-se de lamúrias ao pé de mim. Que isso não lhe faz nada, só atrapalha. Ferre-lhe com uma cataplasma, aqui na boca do estômago, de mostarda e absinto; e à noite um escalda-pés de água quase a ferver, e obrigue-o a tomar um quartilho de vinho branco com mel bem quente. É preciso que ele sue que nem um cavalo, ouviu o que eu disse?
      - Sim, senhor doutor.
      - Venha de lá esse vinho, que está a perder qualidades e a sede a aumentar-me esta secura que tenho aqui no esófago. Você sabe o que é o esófago? Claro que não sabe, como é que pode saber se nunca estudou? E andam isto com os pés pelo chão. Não passa duma ignorantona. Deite lá aqui mais uma gota de vinho, e daqui a pouco passe lá pela minha casa para trazer uma galinha que ontem me deram. Faça uma canja pró seu marido, ele o que precisa é de comer.
      - Ora, ora, senhor doutor mas isso é para o seu jantar.
      - Deixe lá dessas palermices, que eu cá me desenrasco, ainda lá tenho pão e queijo.
      - Deus o abençoe, senhor doutor…
      - Sim, sim. Lérias e mais lérias. Adeus até amanhã.
      - Sim, senhor doutor e faça o favor de me dizer quanto é que eu devo.
      - Quanto me deve? Ora essa, não me deve nada! Vá brincar para outro lado. Não basta eu ter salvado o seu marido da morte, garanto-lhe eu sua pateta, e ainda você me quer pagar! Ora essa, então a minha ciência é coisa que qualquer badameco me pague? Ora esta hein?
      Nunca cobrou um tostão pela sua clínica, fosse a quem fosse. Se os seus remédios não salvavam, também não matavam, limitando-se na maioria dos casos a fazer transpirar o doente. Todos gostavam do Manuel a quem chamavam doutor. Fosse rico ou pobre, todos se serviam dos seus serviços, achavam graça ao seu mau génio e à sua arrogância, mas apreciavam-lhe as boas qualidades humanas.
      Luís de Matos