segunda-feira, 12 de abril de 2010

DA NASCENTE DA RIBEIRA DO LUCEFÉCIT À FOZ NO RIO GUADIANA

Há muitos, muitos anos, nasceu uma menina a que foi dado o nome de Lucefécit.
A menina não tinha casa, tinha nascido sob a luz da lua e das estrelas, junto a uma pequena aldeia chamada Santiago Rio de Moinhos, próximo da Serra de Ossa. Apesar da aldeia ser muito bonita e gostar do sítio onde vivia,  Lucefécit começou a pensar que gostaria de conhecer outras meninas e meninos e ser feliz.
Foi com este pensamento que adormeceu. Nessa noite, Lucefécit dormiu um sono profundo, que dá saúde para retemperar as forças e enfrentar um novo dia. Quaisquer meninos e meninas que encontrasse, iria falar com eles. Tentar conhecê-los e depois, talvez viessem a ser amigos.
  Lucefécit, não fazia ideia dos amigos que iria encontrar e quem eram, mas uma coisa, ela tinha a certeza, seguiria o seu caminho e esforçar-se-ia para concretizar o seu desejo. Sabia de onde vinha, desconhecia o seu percurso e não sabia onde iria terminar a sua viagem.
Assim, logo pela manhã, ainda o sol não tinha nascido, levantou-se, esfregou os olhos, espreguiçou-se e preparou-se para iniciar o caminho à procura de possíveis amigos.
Estava um bonito dia de sol de Primavera. Atravessou a aldeia, devagarinho, andou, andou sempre pela planície alentejana até que encontrou pela frente, uma enorme montanha. Era o seu primeiro obstáculo e uma grande confusão.
-    Que montanha tão grande e com tantas árvores!  
 Lucefécit, teve algum receio, mas tinha que continuar a sua viagem para ir procurar os possíveis amigos deixando para trás, do seu lado direito, a montanha que se chamava Serra d `Ossa. Continuou a sua marcha, mas eis que, a uma curva graciosa, ao seu lado direito, dá de caras com a Fonte e a Igreja de Nossa Senhora da Fonte Santa. Olhou para elas, virou à esquerda e continuou o seu caminho. Tinha agora à sua frente, um enorme obstáculo rochoso e muito alto, que era para ela completamente novo e que a Lucefécit nunca tinha visto, chamado Rocha da Mina. Como não o pode vencer, passou-lhe ao lado, deixando-o do seu lado direito, deu uma grande curva para seguir em frente e passar por baixo da Ponte dos Ouros.
No seu percurso já difícil, um pouco mais abaixo, encontrou do seu lado direito, uma menina, pequenina como ela, chamada ribeira da Silveirinha. Deste encontro nasceu uma boa amizade e a Lucefécit ficou muito feliz por ter encontrado a sua primeira amiguinha. Seguiram as duas juntas, de mão dada, até encontrarem, desta vez do seu lado esquerdo, um menino chamado ribeiro da Mota.
-Queres vir comigo menino amigo, perguntou-lhe Lucefécit.
- Que convite misterioso, pensou, desconfiado, mas ao mesmo tempo com vontade de satisfazer o desejo de uma menina tão bonita como Lucefécit, embora não soubesse onde o podia levar e por que o estaria a convidar. Resolve então perguntar-lhe: para onde te diriges?
-Não sei. Não faço a mínima ideia. Talvez para o mar ou para um rio, respondeu Lucefécit. Quando saí da terra onde nasci, foi com a intenção de conhecer (...).
Entretanto, logo a seguir, do lado direito, um outro, de seu nome, Alfardagão. Imediatamente se fizeram amigos e os quatro lá foram cantando e rindo.
Iam todos de mão dada, brincando, saltando aqui e ali por entre rochedos que  começavam a dificultar o seu caminho, rodeando algumas encostas de pequenos montes, que para os quatro amigos lhes pareciam enormes.
À medida que ia conhecendo outros vales e montes, Lucefécit deparava-se com novas dificuldades. Um pouco mais abaixo, do lado esquerdo, encontrou um esporão rochoso e paredes quase a pique, chamado Castelinho. Contornou-o, mas eis que surge imediatamente a seguir e do seu lado direito, um rochedo tão alto que a Lucefécit até teve medo, chamado Castelo Velho.  
Pôs-se a pensar como conseguiria vencê-lo, mas logo se apercebeu que isso era impossível e decidiu então, passar-lhe pelo lado esquerdo.
 Ultrapassado este obstáculo, foi encontrar, do seu lado direito, um outro menino chamado ribeiro do Lobo. Era mais um menino simpático e acolheu-o de braços abertos, tal como viria a fazer com o ribeiro do Olival da Rocha que encontrou um pouco mais abaixo do seu lado esquerdo.
Lucefécit, que se tinha levantado muito cedo, apresentava já sinais de cansaço no entanto, foi andando devagarinho e conversando com o seu amigo,  quando mal se aperceberam tinham pela frente um outeiro muito grande chamado S. Miguel da Mota. Durante a viagem Lucefécit já tinha ouvido dizer que naquele outeiro, existia um guardião muito famoso pelos seus feitos sagrados e que se chamava, Endovélico.
A Serra de Ossa e a Igreja de Nossa Senhora da Fonte Santa, tinham ficado do seu lado direito, agora Lucefécit deixava o Endovélico do lado esquerdo. Tendo continuado a descer, para encontrar logo a seguir e do mesmo lado, outro amigo, chamado ribeiro do Bragado.
Andou mais para baixo e encontrou-se com outra amiga que já vinha de longe, chamada ribeira do Alandroal. Ao fazer esta nova amizade, Lucefécit  era já uma senhora e tinha criado muitos amigos, mas como tinha que continuar o seu caminho, foi em linha recta até ao Alto de S. Gens. Como não o podia passar, virou à sua direita, serenamente, passou pela ponte “velha”. Andou um pouco mais para baixo até que encontrou do seu lado direito, um outro menino chamado ribeiro da Cruz que vinha dos lados de Terena e acolheu no seu regaço.
Olhou para cima e, lá ao longe, viu Terena com o seu imponente Castelo, que lá do alto da colina vigia tudo à sua volta.
 Lucefécit não se deixou intimidar, olhou para ele de soslaio, deixou-o ao seu lado direito, seguiu em frente pela planície, agora mais aberta e ampla a perder de vista, até que chegou à Igreja de Nossa Senhora da Boa Nova. Quase a beijou e decidiu descansar um pouco sob um manto de lírios e malmequeres.
Seguiu novamente em linha recta para receber mais abaixo, nos seus braços, três amigos chamados Ribeiro dos Barrancos que surgia ao seu direito,  Ribeiro do Negro e ribeira do Alcalate. que surgiam ao seu lado esquerdo.
Continuando o seu caminho pela planície adentro, feita a amizade com os ribeiros do Belo e dos Apóstolos que vêm do seu lado esquerdo. Um pouco mais abaixo, do seu lado direito, Lucefécit não consegue vencer um esporão rochoso chamado Castelinhos, para logo a seguir, acenar pela última vez, à Igreja de Nossa Senhora das Neves, e aos montes do Roncão e do Aguilhão, que lá do alto, vigiam o rio Guadiana.
Lucefécit, inicialmente plena de energia e de força acumulada ao longo do seu difícil caminho, já não tem força para vencer a Rocha de Santa Catarina e é
aqui que dá então o seu primeiro e receoso mergulho no Rio Guadiana.
Decide então, terminar a sua longa e penosa viagem, mas ao mesmo tempo muito rica, pois tinha feito muitos amigos, tal como se havia proposto.
 Segundo ela são amigos eternos, pois os rios não morrem, são como as pessoas: pensam, sentem e falam.
Por sua vez, o Guadiana, que se tinha enamorado de Juromenha quando passou a seu lado, decide agora receber nos seus braços e casar com Lucefécit, passando assim, a ter mais força e ânimo para chegar ao mar.
Quando iniciou a viagem Lucefécit  era ainda uma menina, porém com o andar dos tempos, fez-se uma senhora e foi muito corajosa.
Levantou-se cedo, foi em busca de amigos e passou por muitas dificuldades ao longo do seu percurso tortuoso e encaixado numa área de xistos extremamente árida. Desbravou terrenos cheios de perigos e criou um espaço único numa boa parte do planalto alentejano.
Esta é a Ribeira da minha planície, silenciosa e corajosa, que contornou e esculpiu o xisto e os calhaus do caminho sob o calor do sol e a luz da lua, fazendo-os chegar ao Rio Guadiana.
            Lucefécit, com o seu caudal permanente, deitou a semente à terra, criou e distribuiu riqueza que há-de ser eterna. As suas águas são uma fonte de vida que sacia as raízes das árvores e mata a sede aos animais que vivem na sua proximidade.
Ao longo da Lucefécit, podemos encontrar diversas galerias ripícolas, estes habitats, contribuem para a existência de elevada biodiversidade e os diversos mamíferos que neles habitam, utilizam-no quer pela água e diversidade de alimento, quer pelo refúgio ali existente.
A água da minha Lucefécit, correrá para o Guadiana enquanto o Sol se enamorar da Lua, o arco-íris tiver cor, existirem estrelas no Céu e os rios correrem para o Mar.
.        A minha Lucefécit, criou recantos e paisagens tão belas, que faz a alegria dos nossos olhos, que mais parecem mimosos quadros e que os poetas tão bem cantam.
Lucefécit, não só nos encanta a vista, como também nos fala à alma.

Terena, 9 de Janeiro de 2010
 Luís de Matos