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Tuesday, July 3, 2007
Acontecimentos - Ano 1966
No dia 20 de Setembro de 1966, o meu pelotão e uma secção de milícias, receberam ordens do Capitão Costa Gomes, para ir recolher lenha à mata e trazê-la para o quartel. Tínhamos um mês de Guiné. Éramos aquilo a que se chamava de “periquitos”, por termos pouco tempo de guerra. Estávamos na época das chuvas. Saímos do quartel, a pé para picagem da estrada, pois era uma zona muito perigosa e havia que ter o máximo das cautelas. Da coluna faziam parte duas viaturas para o transporte da lenha, e um unimog que tinha montado um abrigo, em chapa de ferro, bem grossa, com uma metralhadora, para nos dar apoio, caso viesse a ser necessário, pois quer o apontador da metralhadora, quer o condutor, eram militares já com provas dadas, uma vez que já tinham 17 meses de Guiné, enquanto que nós, tínhamos um mês e ainda não tínhamos dado um único tiro. A coluna deixou a estrada, que tínhamos acabado de picar e embrenhámo-nos no mato. O capim era mais alto do que as viaturas. Andamos cerca de 2 Kms. Chegados ao local para recolher a lenha, as viaturas começaram a ficar atascadas. Quanto mais se tentava tirar dalí as viaturas, maior era o lodaçal e as baterias das mesmas, cada vez mais fracas, até que deixaram de funcionar.
E agora? Bom, só há uma maneira de sairmos daqui, diz o alferes Manso. E pergunta? -
Quem é que se oferece para ir ao quartel buscar baterias?
Eu que me encontrava junto dele, disse-lhe: Vou eu meu alferes. Mal parecia que o não fizesse, uma vez que os outros furriéis, estavam ligeiramente afastados a cuidar da segurança.
Então, está bem. Leve os seus homens e vá. Olhe, Matos! Como já picámos a estrada quando viemos para cá, já não é preciso picá-la novamente, e assim, depressa lá se põe no quartel. Logo no início da marcha, o condutor do unimog, que por coincidência também se chamava Matos, diz-me:
Ó meu furriél, sente-se aqui ao meu lado, sempre vai um bocadinho mais descansado.
Não. Eu nunca largo os meus homens, e agora, também não. Sabe, nem me sentia bem eu ir aí montado e os moços a pé. Mas olhe, você é que pode ir andando, e quando chegar ao cruzamento, quando virámos prá qui, o meu amigo espera por nós, e depois, uma vez que já picámos a estrada, é só andar rapidamente para o quartel.
Estava longe de imaginar, que seria a última vez que falava com o moço. O condutor, assim fêz. Adiantou-se em relação ao grupo, talvêz, não mais de 50 metros. Quando estávamos já muito perto da viatura, sofremos uma emboscada, de que resultou a morte do condutor, o apontador da metralhadora gravemente ferido e um soldado milicia, também ferido, embora este, sem gravidade. Apesar de gravemente ferido, o Cabo apontador da metralhadora, acho até que nunca soube o seu nome. Que falha imperdoável esta! Não admira, era periquito…. O moço, ainda fez várias rajadas, até que a arma se encravou. Era uma Breda, daquelas da época da Guerra Mundial. Mal o tiroteio começou, dois ou três milicias foram a correr ao quartel buscar reforços, enquanto que outros, foram ao encontro do alferes e dos restantes camaradas que tinham ficado junto às viaturas, e um ou dois ficaram comigo a responder ao inimigo invisível. Recordo-me de ouvir uma série de obscenidades, ditas pela rapaziadado Norte, pois eram todos Nortenhos. Enquanto eu, revoltado com o que nos tinha acabado de acontecer, gritava bem alto. “Venham cá seus cabrões…. filhos da puta”. Eu sei lá…Foi uma sorte eles não terem vindo, senão tínham-nos apanhado à mão. É que eles fizeram o disparo e fugiram. O tiroteio, não durou mais de 2 minutos. Vimos depois o local, donde tinha sido disparado o roket, que vitimou o soldado condutor Matos. Do outro lado da estrada, a uma distância não superior a cinco metros, entre muitas, havia uma árvore, cujas pernadas faziam uma forca, e foi aí que o inimigo asssentou o lança-roket, para mandar a roquetada. Quando os soldados milícias chegaram ao quartel e disseram que morreu o Matos, os camaradas da minha companhia, que não sabiam o nome do condutor, pensaram que se tratava do Furriel Matos. A notícia, rapidamente se propagou como o fogo de um rastilho.Nem queriam acreditar. Efectivamente, também podia ter sido eu, caso me tivesse sentado ao lado do condutor. Mas o destino não quiz que isso acontecesse. Quem sabe, até se houve alí a mãozinha da Nossa Senhora da Boa Nova, a padroeira da minha terra. Fôsse lá o que fôsse, ainda hoje me parece um milagre. Não tinha que ser. Todos os anos, recordo o dia de S. Mateus, por este ser um dia que muito me marcou e continua a marcar na minha vida. Por mais que o tente esquecer, ele vem-me sempre à memória. Acho que a partir daí, comecei a ficar um pouco “apanhado do clima” ou “cacimbado”, como se dizia na Guiné.
Passaram cerca de 30 minutos, quando chegaram os reforços. Já tinha acabado o tiroteio. Não faltaram os abraços dos camaradas e palavras de conforto. Por outro lado, chorava-se a morte dum camarada. Ajudado por um ou dois soldados, retirei o ferido de dentro do abrigo da viatura. Com lágrimas de revolta, conjuntamente com os soldados que tinham ficado comigo, começámos a recolher o que foi possível recolher do resto do corpo do infeliz condutor, para as juntar ao que restava no assento da viatura. Que cena horrível e macábra, que jamais poderei esquecer.
Nunca senti que a linha da vida, tivesse estado tão perto da morte. Não há vez nenhuma, que veja a fotografia da viatura acidentada, toda a fumegar, que não imagine alí o pobre do soldado Matos, cortado ao meio pelo roket, que as lágrimas não me rolem pela cara abaixo. É muito difícil a gente esquecer-se de uma situação destas, mesmo que já tenham passado várias décadas. Será que sou diferente dos outros? Parece-me que não, pois tenho, cabeça, tronco e membros como os outros. Enfim, seja lá o que fôr.Finalmente, procedeu-se ao reboque da viatura inutilizada, que o seu condutor tinha baptizado com o nome de “Paulucha”. Nunca cheguei a averiguar o porquê deste nome. Seria em homenagem a um seu ente querido? Talvez?
Seguidamente, fomos recolher as viaturas que tinham ficado a cerca de 2 Kms, mas já em incidentes. Foi assim, o meu baptismo de fogo. Foi logo pra doer, e bater bem no fundo.
Quarenta anos depois, no dia seis de Junho de 2007, decorreu o 10º. convívio da companhia 1590 na Foz do Arelho, num restaurante de propriedade do camarada Joaquim Bernardo Coito, que foi Soldado Condutor Auto. Durante o repasto, o Abílio da Silva Vieira, que foi 1º. Cabo Atirador, da minha Secção, disse-me, que uma irmã do condutor Matos, reside também em Vila Nova de Gaia, próximo da sua residência. Um dia, calhou em conversa e o Abílio disse-lhe: “Olhe, sabe uma coisa, o seu irmão morreu ao pé de mim”. Não sei como acabou depois a conversa, que não perguntei ao Abílio. Mas dá para imaginar.
Embora tardiamente, pedi ao Abílio que, em meu nome, desse uma palavrinha de conforto à irmã do Matos, cuja morte, um dia chorei nas matas da Guiné, entre Bissorã e Barro. Habituado que estou, a tratar com todo o tipo de Imprensa, em que as nossas emoções não devem ou deviam contar, até para sermos isentos e imparciais, segundo o Código Deontológico, não consigo referir-me a este triste episódio, sem deixar cair algumas lágrimas. E devo dizer que não sinto vergonha por isso.
Dia 22 Emboscada à saída de Bissorã para Mansoa. 5 guerrilheiros inimigos mortos com armas abandonadas. A 816 levantou duas minas. Um milícia morto. Noite de 22 para 23 de Setembro. Golpe de mão à área de Jogudul.
Dia 25 Saída de Mansoa para Bissau.
Outubro /Dia 9 Coluna e escolta de Bissau para Mansoa, Bissorã e Olossato com passagem pela ponte Maqué. Viaturas e muita lama. Operação a Jracunda.
Dia 10 Saída de Olossato. Emboscada. Passagem por Bissorã, Mansoa, Safim, Nhacra e Bissau.
Dia 24 1º Grupo de combate vai para Massabá, 3º. Para Bissorã e 0 2º. Para Olossato. Construção da ponte de Maqué.
Dia 25 Dormida no abrigo da ponte de Maqué. Muitos mosquitos e vinho.
Dia 26 Saída de Olossato para Bissau. Bissorã, Mansoa, sem picagem de estrada por ser noite. Chegada a Bissau às 22 horas.
Novembro /Dia 30 Saída de Bissau para Ingoré do 2º. Pelotão. Passagem por Safim, João Alandim, Cacheu, Bula, S. Vicente e Ingoré.
Dezembro /Dia 2 Verificação e montagem de armadilhas na fronteira.
Dia 4 Patrulhamentos na zona de Carabana Cherie.
Dia 6 Chegada da companhia a Ingoré. 2º. Grupo de combate emboscado até às 20.30 horas e jantar às 22 horas.
Dia 8 1º pelotão vai para Barro. 5 guerrilheiros mortos. Uma mauser automátia apreendida.
Dia 10 Picagem da estrada ate ao Sedengal. Há noite emboscados na pista.
Dia 13 Patrulhamento à zona de Carabana Balanta. Dois guerrilheiros presos no acampamento de Naga.
Dia 15 Patrulhamento à zona de Carabana Balanta.
Dia 17 Emboscados na estrada do Sedengal.
Dia 20 Montagem e verificaão de armadilhas. Emboscados na pista.
Dia 22 Emboscada desde as 4 da manhã às 15 horas Fome e calor.
Dia 24 Dia de Natal. Festa de despedida da 788. Ronda ao quartel. Bebedeiras em Ingoré.
Dia 28 Faço anos a 28 de Dezembro e neste dia fiz 22 anos. Mas, a guerra é a guerra. E, neste dia, a companhia foi fazer uma operação junto à fronteira do Senegal tendo sido baptizada com o nome de “Dragão”. Diz-se que fizemos 5 mortos ao inimigo,nunca os vimos, mas diz-se, enquanto que, da nossa parte, apenas um soldado nativo levou um tiro na boca, tendo sido evacuado para Bissau. Que sorte a dele e que acontecimento raro, dizia-mos nós uns para os outros.
Dia 30 e 31 Emboscados na pista e ponte de Ingoré.
Rogério Cardoso
E-mail : rmcardoso1941@gmail.com
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Comment:
A Paulucha o unimog que servia de auto-metralhadora, em que morreu o condutor
Matos foi uma construção minha, quando estava em Bissorã.Era da comp.643 os
Aguias Negras, das melhores comp.operacionais que passaram pela Guiné, os co-
mentários assim o demonstram.Era uma homenagem à minha filha nascida em Novº
de 1964, foi batizada por mim e pelo SarºHipólito já falecido.Presto aqui uma
homenagem ao ex-Cap.Silveira nosso grande com.compªassim como a todo o pesso-
al Aguias Negras.Lembro que o nosso encontro em 2010 é a 10 de Abril em Fáti-
ma, contactem pela net ou 939339340.Um abraço a todos os combatentes Rogerio
Luís de Matos (resposta)
Caro Companheiro e Camarada Rogério Cardoso
Não tive o prazer de te conhecer naquele tempo de passagem por Bissorã. Todos sabemos quão difíceis foram aqueles tempos da guerra colonial. Quando escrevi o que se passou naquele fatídico dia 20 de Setembro de 1966, tinha a certeza que "Paulucha" era um nome que tinha sido posto em homenagem a alguém muito querido.Não me enganei. Não podes imaginar a emoção que de mim se apoderou quando li o teu comentário ao meu blogue quando te referistes concretamente à PAULUCHA. Este pequeno/grande pormenor é sintomático de que o Diário da Guerra Colonial, escrito à 40 anos mas só agora publicado, é a mais pura realidade passada no meu tempo de juventude, ou melhor, do nosso tempo de jovens de grande coração.
Obrigado Companheiro, por confirmares e dares a conhecer a realidade.
Luís de Matos (resposta)
Caro Companheiro e Camarada Rogério Cardoso
Não tive o prazer de te conhecer naquele tempo de passagem por Bissorã. Todos sabemos quão difíceis foram aqueles tempos da guerra colonial. Quando escrevi o que se passou naquele fatídico dia 20 de Setembro de 1966, tinha a certeza que "Paulucha" era um nome que tinha sido posto em homenagem a alguém muito querido.Não me enganei. Não podes imaginar a emoção que de mim se apoderou quando li o teu comentário ao meu blogue quando te referistes concretamente à PAULUCHA. Este pequeno/grande pormenor é sintomático de que o Diário da Guerra Colonial, escrito à 40 anos mas só agora publicado, é a mais pura realidade passada no meu tempo de juventude, ou melhor, do nosso tempo de jovens de grande coração.
Obrigado Companheiro, por confirmares e dares a conhecer a realidade.
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