sábado, 24 de outubro de 2009

Algumas das estórias que o meu pai me ensinou:

A formiga e a Neve e o Diálogo entre os Dedos


Longe vão os tempos em que o meu pai, nas longas noites de Inverno, sentado à roda do lume da chaminé numa cadeira de alandro por ele feita, com pano de buinho colhido na Ribeira da Boa Nova ou do Lucefécit, me punha nas suas pernas contando estórias e lendas, que eu ouvia embevecido.

Apesar de não ter tirado sequer a quarta classe, sabia ler e escrever muito bem, e era um bom contador de estórias. Com os meus avós paternos, viveu vários anos em Olivença, e por essa via, falava e escrevia um espanhol correcto. Interpretava um projecto de arquitectura com a maior das facilidades, e nessa área, veio a ter algumas responsabilidades profissionais. Tinha amigos por tudo quanto era sítio. Foi uma enorme perda, o meu pai ter partido desta vida tão cedo. Foi no ano de 1989, com sessenta e oito anos, depois de grande sofrimento. Já lá vão portanto, quase vinte anos, ainda hoje me emociono por não estar entre nós. As coisas que ele me ensinou, e tinha ainda tanta coisa dentro de si para me transmitir!

Umas das suas estórias que me recordo com muita saudade, é a estória da “formiga e da neve”, e o “diálogo entre os dedos”. Como eu adorava que ele m’as contásse, principalmente a da formiga e da neve. E levava horas nisto, com toda a calma e paciência.

Apesar de já ter um dia de trabalho em cima das costas, quando chegava a casa ao cair da noite, com o corpo fatigadíssimo da labuta, ou da caminhada, ainda tinha vontade de satisfazer a minha curiosidade de criança. Ele tinha muito gosto nisso. Levava horas comigo sentado nas suas pernas. Noutras ocasiões, como se isso não bastásse, sentava-me numa perna, e na outra, a minha irmã. Ao fim de algum tempo, já cansado; Assentem-se ali gaiatos. E nós, todos contentes, sentávamo-nos numa cadeira de alandro, pequenina, própria para a nossa idade, que ele com muito carinho nos tinha feito, e continuava a contar-nos estórias até que nos chegasse o sono. Como era bom, o meu pai! Tinha um coração do tamanho do mundo.

A Formiga e a Neve
A formiga vai à serra
E seu pé na neve prende
- Ó neve, tu és tão forte
Que meu pé em ti se prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que luz do sol me derrete.
- Ó sol, e tu és tão forte
Que derretes fria neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer nuvem me tapa.

- Ó nuvem, tu és tão forte
Que tapas a luz do sol
Do sol, que derrete a neve
A neve, que meu pé prende?
– Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer vento me espalha.
- Ó vento, tu és tão forte
Que espalhas a negra nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que o meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer muro me veda
- Ó muro, tu és tão forte
Que vedas o rijo vento
O vento, que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer rato me fura.
- Ó rato, tu és tão forte
Que furas o grosso muro
O muro, que veda vento;
O vento que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu formiga, sou tão forte
Que qualquer gato me come.
- Ó gato, tu és tão forte
Que comes esperto rato
O rato, que fura o muro
O muro, que veda vento
O vento, que espalha a nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu formiga, sou tão forte
Que um cãozinho me mata.
- Ó cãozinho, és tão forte
Que matas o bravo gato
O gato, que come rato
O rato, que fura muro
O muro, que veda vento
O vento, que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que um pauzinho me bate.
- Ó pauzinho, és tão forte
Que bates no cão valente
O cão, que mata o gato
O gato, que come rato
O rato, que fura muro
O muro, que veda vento
O vento que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
-Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer lume me queima.

- Ó lume, tu és tão forte
Que queimas o duro pau
O pau, que bate no cão
O cão que mata o gato
O gato, que come o rato
O rato que fura muro
O muro, que veda vento
O vento, que espalha nuvem
A nuvem que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer água me apaga.
- Ó água, tu és tão forte
Que apagas o vivo lume
O lume, que queima pau
O pau, que bate no cão
O cão, que mata o gato
O gato, que come rato
O rato, que fura muro
O muro, que veda vento
O vento, que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer cabra me bebe.
- Ó cabra, tu és tão forte
Que bebes a fria água
A água, que apaga o lume
O lume, que queima pau
O pau, que bate no cão
O cão, que mata gato
O gato, que come rato
O rato que fura muro
O muro, que veda vento
O vento, que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete a neve;
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que qualquer faca me mata.
- Ó faca, tu és tão forte
Que matas ligeira cabra
A cabra, que bebe a água
A água, que apaga o lume
O lume, que queima pau
O pau, que bate no cão
O cão, que mata o gato
O gato, que come rato
O rato , que fura muro
O muro, que veda vento
O vento que espalha nuvem
A nuvem, que tapa sol
O sol, que derrete neve
A neve, que meu pé prende?
- Eu, formiga, sou tão forte
Que num ai perdi o corte

Desde o alto até ao fundo
Nada á forte neste mundo.


Nomes dos dedos

O meu pai exemplificava: O indicador da mão direita,
Indica cada um dos dedos da mão esquerda,
A começar no mínimo e eu repetia com ele, até saber:

Dedo mindinho (o auricular)
Seu vizinho (o anular)
Pai de todos (o mediano)
Fura-bolos (o indicador)
Mata- piolhos (o polegar)

Diálogo dos Dedos

Dedo mindinho quer pão,
O vizinho diz que não,
O pai diz que dará,
Este que furtará,
E este diz: alto lá!

Este menino um ovo achou,
Este o assou,
Este sal lhe deitou,
Este o provou,
Este o papou.


Luís de matos