quinta-feira, 22 de novembro de 2007

As Minhas Mãos Calejadas

ILHAS – ARRAIOLOS
António Luís Figueiras “O Poeta Caldas” 67 anos (Ano 1977)

MOTE
As minhas mãos calejadas
Cansadas com produzir
Sofreram tantas noitadas
Que hoje me fazem carpir.
I
Desde a mais tenra idade
Que labuto nesta vida
Travo uma luta renhida
Para viver com dignidade
No campo e na cidade
Andaram sempre empregadas
Quantas vezes esfaceladas
Nas arroteias da serra
Rasgaram o ventre à terra
As minhas mãos calejadas.
II
Lidaram com o arado
Picaram no boi ronceiro
E em cima do sobreiro
Manejaram o machado
Todo o meu sonho dourado
Era amar e construir
Assim posso garantir
Que são dum bom português
Estas mãos que aqui vês
Cansadas com produzir.

“Farrapos da minha vida”
III
Pelos campos dadejando
Ao som de doces cantigas
Ceifei as louras espigas
Que a terra mãe foi criando
A minha enxada gastando
Conchegando as milharadas
Famintas e regaladas
Minguam de dia a dia
Com o rigor da invernia
Sofreram tantas noitadas.
IV
Fui um escravo instrumento
Das aves que rapinando
O suor nos vão sugando
Para seu esbanjamento
Findará este tormento
Quando deixar de existir
Sinto o meu corpo a ruir
É algum cancro decerto
São as chagas em aberto
Que hoje me fazem carpir.

No Monte do Cabidinho

ILHAS – ARRAIOLOS
António Luís Figueiras “O Poeta Caldas” 67 anos (Ano 1977)
I
No Monte do Cabidinho
Num modesto quartinho
Nasceu o Porfírio Caldeiras
Filho de modestos pais
Que viveram entre trigais,
Cheios de trabalhos e canceiras.
II
Nos primeiros anos de infância
Revela ser uma criança
De recursos excepcionais;
Na escola entre os parceiros
Foi sempre dos primeiros
Era o orgulho dos pais.
III
Tirando a quarta classe
Logo no seu peito nasce
O sonho de ser professor,
Mas os pais são os primeiros
Sem recursos financeiros
Que sofrem o dissabor.
IV
Profírio quer estudar
Mas tem que ir trabalhar
Ó prós campos guardar gado,
Pede a protecção a Deus
Pois quer ajudar os seus
Com seu modesto ordenado.
V
Pastando ovelhas no prado
Vê-se encostado ao cajado
Sempre com livros na frente
E uma voz do seu retiro
Diz-lhe: estuda Porfírio!
Pertences à lusagente.
VI
Com sacrifícios sem par
Vai a sua chance tentar
Mas com fé cheio de vigor
O nosso herói lusitano
Tira agora o quinto ano
Mais tarde sai professor.
VII
Não pode parar agora
Porque outro sonho o devora
Que lhe dita o coração
Se um sonho realizastes
Tu que a professor chegastes
E a doutor porque não?
VIII
Renuncia a divertimentos,
Emprega todos os momentos
Só no curso que o consome
Atingiu o seu planeta
Por isso tem uma etiqueta
Que lhe indica agora o nome.

Ouvi Chorar um Operário

ILHAS – ARRAIOLOS
António Luís Figueiras “O Poeta Caldas” 67 anos (Ano 1977)
Quadras feitas no ano de 1937

MOTE
Numa grande capital
Ouvi chorar um operário
Numa rua sobre a lama
Num torturante calvário.
I
Vivia à pouco ainda
Numa casinha modesta
Tendo o coração em festa
Junto a uma filhinha linda
Por uma sina fatal
Penetra no seu casal
Um mal contagioso
Deram-lhe o nome de leproso
Numa grande capital.
II
A sua dor infernal
Lentamente o perseguia
E o pão de cada dia
Foi-lhe faltando afinal
Já sem ter um real
Para pagar ao boticário
Neste país lendário
Que tanto tem brilhado
De miséria rodeado
Ouvi chorar um operário.
III
Já sem os ter que empenhar
P’ra pagar ao senhorio
Cheio de fome e frio
Saía a mendigar
Certo dia vê passar
Um opolente de fama
Pelo seu nome chama
E auxílio lhe pediu
E ao estender-lhe a mão caíu
Numa rua sobre a lama.
IV
Esse burguês retirou
Cheio de orgulho e vaidade
Algema da sociedade
Nem auxílio lhe prestou
Quando a filhinha chegou
Lhe puxa pelo vestuário
Já marcava o calendário
A morte de um desgraçado
Morreu lama abraçado
Num torturante calvário.

O Pobre Trabalhador

ILHAS – ARRAIOLOS
António Luís Figueiras “O Poeta Caldas” 67 anos (Ano 1977)
MOTE
O pobre trabalhador
Um produtor da humanidade
Não lhe ergue um momento
Com honra e dignidade
I
Na cidade ou no deserto
Trabalho cheio de agonia
Sem ter uma regalia
Esse homem puro e recto
Tem o seu lar repleto
De miséria luto e dor
Ele que é um produtor
De tudo o que a terra cria
Cai com fome em pleno dia
O pobre trabalhador.
II
Dedicado e laborioso
Sem honras e desvaneios
Enchendo os cofres alheios
Cai por fim tuberculoso
Esse burguês orgulhoso
Que vive na ociosidade
Cheio de dinheiro e vaidade
Ostenta o seu brasão
E deixa morrer sem pão
Um produtor da humanidade.

Nesta quadra estão os
pedaços da minha vida

III
Sem cessar um instante
É escravo desta forma
Para receber a reforma
Mendiga de monte em monte
Nesse viver inconstante
Ninguém ouve o seu lamento
Já sem forças sem alento
Consegue pegar no malho
É um mártire do trabalho
Não lhe ergem um monumento.
IV
Técnicos e engenheiros
Estudam este problema
Aliviem-no com a sua pena
Ministros e financeiros
Estes são verdadeiros
Erros da sociedade
Deiam a liberdade
A quem tanto se consome
Para os filhos matar à fome
Com honra e dignidade.
Vivia e
Sentia e sofria