sábado, 3 de setembro de 2016


Parte superior do formulárA CASA QUE SABIA FALAR

Há muitos, muitos anos, na aldeia de Lavre, moravam pessoas muito pobres. A maior parte das casas da aldeia, também não tinham grandes condições para as pessoas habitarem. Mas havia uma das casas que, realçava de todas as outras pela sua beleza e grandeza. Pertencia a uma família muito rica da aldeia e que morava em Lisboa. Os donos dessa casa, de vez em quando, vinham visitá-la. Passavam ali uns dias a descansar, ou para tratar de assuntos relacionados com as suas propriedades e depois voltavam novamente a Lisboa.

Um dia, numa dessas vindas à aldeia, depois de cumprimentar a família, a casa perguntou:

-       Então por onde têm andado, que há tanto tempo não os via?

-       Ora, então não sabes que estamos a viver em Lisboa? E estamos muito bem, respondeu o homem.

 Depois acrescentou: Diz-me cá, ó casa. Então agora tens cá a residir umas pessoas? Quem é que te deu autorização para receberes cá toda esta gente? Nunca me perguntastes nada, nem tão pouco à minha irmã, se essas pessoas podiam ou não vir para cá morar!

-       É verdade. Tens razão. Eu também não as pude impedir. São pessoas que vieram de outras terras próximas para trabalharem na agricultura. Um dia apareceram aqui a dizer que não tinham casa para morar com os filhos e uma vez que eu não tinha cá ninguém, dei-lhe guarida. E olha, a partir daí foram ficando, ficando e nunca mais de cá saíram. O que é que eu podia fazer? Nada, absolutamente nada. Assim, pelo menos tenho companhia e sempre vão cuidando de mim, uma vez que tu e a tua irmã, quase nunca cá estão.

 Estas pessoas sempre me vão dando uma limpeza e de vez em quando, até fazem umas pequenas obras que preciso. É certo, que também é para melhor conforto delas. Mas olha, se queres que te diga, não me parece nada mal. Antes pelo contrário, até acho muito bem.

-       Sim, a nós também. Mas podias, ao menos ter-nos dito alguma coisa, que a gente certamente não se importava, respondeu o dono da casa.

-       Como é que querias que te dissesse, se isto foi tudo tão de repente?

E, para mais com as dificuldades que há de comunicações… Não te esqueças que estamos numa aldeia do Alentejo. Não estamos em Lisboa!

-       Mas ao menos as pessoas cuidam de ti! É isso não é? Tratam-te bem? Fico contente que assim seja.

-       Sim, muito bem, muito bem. Gostam muito de mim. Tenho companhia durante todo o dia e as crianças, quando não estão na escola dão-me uma grande alegria. Andam sempre a correr por todo o lado e, devido às suas brincadeiras farto-me de rir com elas. Moram todos no primeiro andar. São quatro casais e nove crianças. Dois casais têm três filhos cada um. Um outro casal tem dois filhos e o outro tem só um filho. Este último é o casal mais novo. Todas as crianças andam na escola. É só subirem a rua, e pronto, passam lá o dia todo. Almoçam no refeitório da escola e à tarde vêm para casa. Fazem os trabalhos escolares e depois vão brincar para o pátio.

-       Estou contente por estares feliz, disse o dono da casa.

-       Sim, sim, muito. Queres saber mais? Quando chega o Natal, vivo uma alegria como não vivia há muitos anos. As crianças que aqui moram convidam todas as crianças da aldeia. É certo que nem todas vêm. Mas a maioria vem. Fazem pinturas, desenhos e no final, com a ajuda dos professores, montam uma exposição que é o encanto da maior parte das  pessoas da aldeia.

 As crianças divertem-se muito e ainda levam uns chocolates para casa para pôr no sapatinho na noite do Menino Jesus. Faz-me recuar no tempo. Há muitos anos atrás, também metias uns chocolates nos sapatinhos dos teus filhos. E eles, logo de manhãzinha, muito antes do sol nascer corriam para a chaminé a ver o que o Menino Jesus lhes tinha deixado. Lembras-te?

-       Se me lembro…

-       Outra coisa te quero dizer. Como sabes, no meio do pátio está o poço que é muito fundo e tem sempre muita água. Um dia, os pais das crianças juntaram-se e pediram-me autorização para colocar uma chapa de ferro para o tapar, porque é um perigo para as crianças. Podem cair lá para dentro e morrer afogadas. Eu dei autorização para que o tapassem, porque, mesmo eu, até fico mais descansada. Transmito mais segurança.

Estavam os dois com esta conversa, quando começaram a ouvir gritar:

-       Socorro, socorro, gritavam algumas crianças! Acudam, gritavam outras.

-       O que é que aconteceu? Perguntava uma das mães das crianças, ao mesmo tempo que tentava acalmar as outras mães.

-       Foi o João que destapou o poço. Com o esforço, desequilibrou-se e caiu lá para dentro. Estava-se mesmo a ver que só poderia acontecer ao João. É muito irrequieto, desabafou o Rui, que era o mais velho. Bom, mas agora o que interessa é socorrer o João.

-       Ai meu querido filho! Quem me acode! E a mãe continuava numa grande aflição a pedir auxílio.

-       Aguenta-te filho, gritava a mãe cá de cima toda debruçada sobre o gargalo do poço. Continua a boiar para te aguentares. Ou segura-te a uma pedra da parede. Não desanimes, que já te retiramos daí! A mãe tentava dar ânimo ao João, que já começava a dar mostras de cansaço.

-       Entretanto, já o pai de uma outra criança, tinha corrido a buscar uma corda bem grande. Não era muito grossa, mas era resistente. Prendeu-a a um ferro que estava preso no gargalo do poço e fazia um arco, onde noutros tempos existiu uma corda com um caldeiro de chapa de zinco que servia para tirar água para dar de beber aos animais e para regar as flores dos canteiros e dos vasos que estavam encostados às paredes do pátio.

O Homem atou a corda à cintura e desceu para agarrar o João que, entretanto já se tinha segurado a uma pedra mais saliente da parede do poço, tentando aguentar-se na água para não ir ao fundo. Cá em cima, todos se debruçavam no gargalo do poço porque queriam assistir ao salvamento do João.

Felizmente que tudo correu bem e não passou de um enorme susto, mas podia ter resultado em tragédia.

Daí em diante, na tampa de ferro que estava a tapar o poço, os pais instalaram uma fechadura e guardaram a chave num sítio que só eles sabiam. E assim, evitaram mais acidentes no futuro.   

-       Como sabes, estamos na Primavera e as crianças gostam muito de brincar no pátio. Com os vasos de flores colocados à volta do poço, os canteiros que existem junto às paredes do pátio e a mimosa que está lá ao fundo que dá flores amarelas e perfumadas, dão-me um grande colorido e uma grande alegria.

Lembras-te quando o nosso Simão dava ali água aos cavalos antes de partir para as touradas?

Era tudo tão bonito!

- Pois era!

- Eram outros tempos. É nisso que estás a pensar e te deixa saudade, não é? Pois, eu bem te conheço, João!

-       Bem, isso é tudo verdade, respondeu o homem um pouco emocionado. Mas estávamos a falar das pessoas. Eu também gosto de as ver. Mas diz-me cá, o que fazem no rés do chão todas estas pessoas da aldeia? Que é um entrar e sair, a todo o instante? Coisa que nunca vi em lado nenhum?

-       Bom, isso é outra história. Queres saber?

-       Claro que quero. Estou aqui para isso. Para saber tudo o que se está aqui a passar. Que eu saiba, por enquanto, ainda sou o dono disto tudo.

-       É verdade, tens razão. Então, vou contar-te: Um dia, umas pessoas vieram cá ter comigo e disseram-me que queriam vender coisas mais baratas para a população, mas não tinham local onde o pudessem fazer. Disseram-me que eram produtos para a alimentação das pessoas e outras coisas que fazem falta em qualquer casa. Então eu pensei: Se era uma atividade tão nobre e como tinha aqui este espaço sem qualquer utilidade, que era o ideal para elas, resolvi ceder-lho. As pessoas disseram-me que muito brevemente, iam começar a vender aqui as tais coisas para governo da vida das pessoas da aldeia.

 E foi assim que tudo aconteceu. O que é que eu podia fazer? Nada, absolutamente nada.

Sabes que mais? Não me posso queixar. Um dia destes, duas ou três  pessoas vieram ter comigo, onde vinha um tal Vinagre. Lembras-te?

-       Sim, lembro-me muito bem. Não é um que andou a trabalhar lá por Lisboa?

-       Sim, é esse mesmo.

-       E depois?

-   Vieram pedir-me autorização para fazerem uma padaria, que incluía um forno para cozer pão para as pessoas de toda a aldeia, porque como sabes, não há cá ninguém que faça pão. E tu sabes bem que, quando cá estás, tens que o ir comprar à cidade. É ou não verdade?

-       Sim é verdade, respondeu o dono da casa.

-       Então, tive de dizer que sim. Disse-lhes que podiam construir o forno do pão. Não vejo motivo por que havia de dizer que não, se até me estão a valorizar. Por que se tu cá estivesses, também fazias o mesmo. Eu conheço-te bem, João. Sei que tens bom coração. Há ainda outra coisa que gostava que soubesses. E antes que o saibas por outras bocas, faço questão em ser eu a dizer-te.

-       Então diz lá.

-       Desde há dias que está cá também a dormir, ali no quarto do primeiro andar, este mesmo aqui à esquina, um homem que veio de Lisboa.

Sim, não faças essa cara de espanto mas, segundo ouvi dizer, está cá por pouco tempo. Se calhar tu até o conheces. Como estás lá para Lisboa… É alto, magro e bem parecido. Tem um bocadinho falta de cabelo e usa óculos grossos. Ouvi dizer que se chama Saramago.

-       Dizes cada coisa… Como é que queres que conheça? Em Lisboa existem muitos homens com esses sinais. E até há pessoas que são muito parecidas com outras. Já ouvi falar desse nome Saramago, mas nunca vi tal pessoa, disse o João.

-       Bom, isso agora pouco interessa. Até achei graça ao nome do homem, por me fazer lembrar as ervas que têm o mesmo nome e que existem aí no campo.

 Dizem que é uma pessoa muito importante. Que escreve, ou não sei quê… que faz livros...essas coisas que eu não percebo lá muito bem. Dizem que veio para cá para escrever um livro baseado numa história da vida do João Serra que foi escrita pelo próprio e está tudo num caderno. Se queres que te diga, eu também acho que deve ser uma pessoa muito importante. Se faz livros, é porque lá tem o seu valor, porque isso não é para qualquer um. Não te parece, João?

-       Sim, e depois? Mas já agora deixa-me dizer-te, para no caso de não saberes. A essas pessoas que escrevem livros, chamam-se escritores.

-       Sim eu sei. Mas queres saber mais? Até esse homem, um dia, sabendo das dificuldades das pessoas que estão cá a morar tinham para construir o forno, de boa vontade emprestou dinheiro. E olha que não foi pouco, porque eu bem vi o valor, com recibo passado, e tudo ali escrito como deve ser. Está lá escrito no recibo que é para ajudar na compra dos materiais destinados à construção do forno. E aquilo que eu vejo com os meus olhos, que como sabes são as minhas janelas e os ouvidos as minhas portas, ninguém me pode desmentir.

E então, foi assim que aconteceu. As pessoas construíram o forno e agora toda a gente está mais feliz. Já podem comer pão fresco todos os dias, sem ser necessário ir comprá-lo à cidade. Essa do pão fresco, se queres que te diga, acho que é um contrassenso. Então, se o pão sai quentinho do forno, como é que as pessoas dizem que é pão fresco? É esquisito não é? Mas que tem piada, lá isso tem.

-       Isso é verdade, disse o João.

-       Então não é bom, que tudo isto tivesse acontecido cá na aldeia? Foi tudo feito para bem das pessoas! De qualquer maneira, eu estava para aqui abandonada e quase sempre sozinha! Ninguém me ligava, e agora sinto que sou útil às pessoas. Elas gostam muito de mim e sou respeitada.



Évora, Novembro/2010                                                                        Luís de Matos  

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O Velho Gasparão

O Ti Gaspar, mais conhecido por Velho Gasparão, era um homem muito alto, forte e com uma grande barriga. Toda a sua vida foi Guarda de Pastagens no Monte do Pigeiro.  Andava sempre de mochila às costas. Usava calças de cotim e camisa aos quadradinhos pequenos e bota cardada. A camisa era atada mesmo por cima do cinto de cabedal. Era natural de Terena e morava na rua das casas novas, mais ou menos defronte do prédio do Dr. Galhardas. Depois de reformado passou a andar de monte em monte como guardador de gado, em substituição dos maiorais que por qualquer motivo tinham que se ausentar e faziam-no por vários motivos; por doença, casamento ou por falecimento de um familiar ou amigo.
O Velho Gasparão tinha fama de comer muito e pelos vistos tinha também o proveito. Certo dia, o Ti Joaquim Alho que era o cozinheiro do Monte do Pigeiro viu que o Velho Gasparão se aproximava do monte e disse para os presentes.
     Olhem! Vem além o Velho Gasparão. O que é que acham? Vamos pregar-lhe uma partida?
Todos concordaram.
Quando o Velho chegou, como pessoa educada que era, cumprimentou com um “Boas Tardes”, ao que todos corresponderam.
     Então Ti Gaspar já ceou hoji?
     Nã senhori, mas comia umas sepinhas, se prá aí houvesse.
     Então nã há-de havêri Ti Gaspari!. Vou-lhe fazêri uma açorda, disse-lhe o cozinheiro.
     Está bem. Munto obrigado.
Era normal, que nos montes houvesse sempre uma panela de ferro com água ao lume. O Cozinheiro começou de imediato a pisar os tempêros, que eram poejos e pôs-lhe duas ou três malaguetas para testar o sabor e para ver até que ponto o estômago do bom do Ti Gaspar aguentava, pois tinha fama de comer muito. Enquanto esperava que a água fervesse em cachão, migou um pão de quilo para as sopas da açorda, colocou os temperos e o azeite num  alguidar de barro, certamente comprado ao Ti Firmino ou ao irmão que eram louceiros do Redondo e que andavam por aldeias e montes a vender loiça e abafou a açorda para o pão crescer bem. Passados uns cinco ou dez minutos, já o pão tinha crescido quase para o dobro. Pensou o Ti Joaquim Alho. Está mesmo boa. Hoje é que vamos ver até que ponto é que o Velho Gasparão come muito.
O cozinheiro chamou então o bom do homem para se sentar à mesa, que a açorda estava pronta.
Enquanto o Velho Gasparão ía comendo a açorda, os outros, com os olhos arregalados por tão grande apetite, assistiam a todo este quadro. O Velho comeu a açorda toda e, também bebeu o caldo.
Perguntou-lhe o cozinheiro.
     Então Ti Gaspar a açorda estava boa?
Se estava! Só foi pena o caldo ter um bocadinho de picante a mais.
Luís de Matos

LUZ SE FEZ


No segredo das águas…


Terras do Endovélico



Há muitos, muitos anos, nasceu uma menina a que foi dado o nome de Lucefécit.

A menina não tinha casa. Tinha nascido sob a luz da lua e das estrelas, junto a uma pequena aldeia chamada Santiago Rio de Moinhos, próximo da Serra de Ossa. Apesar da aldeia ser muito bonita e gostar do sítio onde vivia, Lucefécit começou a pensar que gostaria de conhecer outras meninas e meninos e ser feliz.

Foi com este pensamento que adormeceu. Nessa noite, Lucefécit dormiu um sono profundo, daqueles que dá saúde, retemperar as forças e enfrentar um novo dia. Quaisquer meninos e meninas que encontrasse iria falar com eles. Tentar conhecê-los e depois, talvez viessem a ser amigos.


Lucefécit, não fazia ideia dos amigos que iria encontrar e quem eram, mas uma coisa, ela tinha a certeza, seguiria o seu caminho e esforçar-se-ia para concretizar o seu desejo. Sabia de onde vinha, desconhecia o seu percurso e não sabia onde iria terminar a sua viagem. 


Assim, logo pela manhã, ainda o sol não tinha nascido, levantou-se, esfregou os olhos, espreguiçou-se e preparou-se para iniciar o caminho à procura de possíveis amigos.


Estava um bonito dia de sol de Primavera. Atravessou a aldeia, devagarinho, andou, andou sempre pela planície alentejana até que encontrou pela frente, uma enorme montanha. Era o seu primeiro obstáculo e uma grande confusão.

Que montanha tão grande e com tantas árvores! 


Lucefécit teve algum receio, mas tinha de continuar a sua viagem para ir procurar os possíveis amigos deixando para trás, do seu lado direito, a montanha que se chamava Serra d `Ossa. Continuou a sua marcha, mas eis que, a uma curva graciosa, ao seu lado direito, dá de caras com a Fonte e a Igreja de Nossa Senhora da Fonte Santa. Olhou para elas, virou à esquerda e continuou o seu caminho. Tinha agora à sua frente, um enorme obstáculo rochoso e muito alto, que era para ela completamente novo e que a Lucefécit nunca tinha visto, chamado Rocha da Mina. Como não o pôde vencer, passou-lhe ao lado direito, deu uma grande curva para seguir em frente e encontrar do mesmo lado, o Moinho da Rocha da Mina. A seguir passou por baixo da Ponte dos Ouros, deixando do lado esquerdo, o Moinho do mesmo nome.

No seu percurso já difícil, um pouco mais abaixo, encontrou do seu lado direito, uma menina, pequenina como ela, chamada Ribeira da Silveirinha. Deste encontro nasceu uma boa amizade e a Lucefécit ficou muito feliz por ter encontrado a sua primeira amiguinha. Seguiram as duas juntas, de mãos dadas, até encontrarem, desta vez do seu lado esquerdo, um menino chamado Ribeiro da Mota.


- Queres vir comigo menino amigo? - perguntou-lhe Lucefécit.


- Que convite misterioso, pensou desconfiado, mas ao mesmo tempo com vontade de satisfazer o desejo de uma menina tão bonita como Lucefécit, embora não soubesse onde o podia levar e por que o estaria a convidar. Resolve então perguntar-lhe: para onde te diriges?


- Não sei. Não faço a mínima ideia. Talvez para o mar ou para um rio, respondeu Lucefécit. Quando saí da terra onde nasci, foi com a intenção de conhecer outras meninas e meninos e ser feliz.

-Pensei que ias fugir de alguma coisa, pois tenho vindo a reparar que às vezes fazes grandes curvas, como que a quereres esconder-te de alguém.


-Eu, fugir de quê? respondeu Lucefécit.


-Não sei, apenas fiz uma pergunta. O ribeiro disse-lhe que se chamava Ribeiro da Mota e que devido à aridez dos montes onde tem vivido, anunciou-se aos tropeções, entregando-se depois ao prazer visual de admirar as flores da esteva, do rosmaninho e da rosa silvestre, como só o engenho das crianças transportam para o mundo dos sonhos.


-Bem sei que as rosas e o rosmaninho são flores de luxo, cujo perfume me entontece e talvez por isso, me vi obrigada a dar tantas curvas, desculpou-se Lucefécit.


Entretanto e logo a seguir, do lado direito, surgiu um outro ribeiro chamado Alfardagão. Imediatamente se fizeram amigos e os quatro lá foram cantando e rindo à descoberta de novas emoções.


Iam todos de mãos dadas, brincando, saltando aqui e ali por entre rochedos que insistiam em dificultar o seu caminho, rodeando algumas encostas de pequenos montes que, para os quatro amigos lhes pareciam enormes.

À medida que ia conhecendo outros vales e montes, Lucefécit deparava-se com novas dificuldades. Eis que, um pouco mais abaixo, do lado esquerdo, encontrou um esporão rochoso e paredes quase a pique, a que deram o nome de Castelinho. Contornou-o, mas eis que surge imediatamente a seguir e do seu lado direito, um rochedo tão alto, que se erguia como uma torre, chamado Castelo Velho. 


Lucefécit, pôs-se a pensar como o conseguiria vencer mas, logo se apercebeu que era uma missão impossível e decidiu então, passar-lhe pelo lado esquerdo.


Ultrapassado este obstáculo, foi encontrar, do seu lado direito, um outro menino chamado Ribeiro do Lobo. Era mais um menino simpático e acolheu-o de braços abertos, tal como viria a fazer com o Ribeiro do Olival da Rocha que encontrou um pouco mais abaixo do seu lado esquerdo.


Lucefécit, que se tinha levantado muito cedo, apresentava já sinais de cansaço. Por isso mesmo, foi andando devagarinho e conversando com o seu amigo. Quando mal se aperceberam, tinham pela frente, do lado esquerdo, um outeiro muito grande chamado S. Miguel da Mota. Durante a viagem, Lucefécit já tinha ouvido dizer que a lua se escondia por detrás daquele outeiro muito alto e que dominava uma boa parte da planície. Ouviu ainda mais: - ouviu dizer que, naquele local, existiu há milhares de anos, um guardião muito famoso pelos seus feitos sagrados, chamado Deus Endovélico. 


A Serra de Ossa, a Fonte Santa e a Igreja de Nossa Senhora da Fonte Santa, já tinham ficado para trás e do seu lado direito. Agora, Lucefécit, deixava o Deus Endovélico lá bem no alto e do seu lado esquerdo, tendo continuado a descer, para encontrar logo a seguir e do mesmo lado, outro amigo, chamado Ribeiro do Bragado. 


Lucefécit tropeçava e hesitava aqui e acolá, sempre com o desejo de descobrir terras nunca vistas e sonhadas. Lucefécit, estava ansiosa por terminar a sua viagem. Andou mais para baixo e encontrou-se com outra amiga que já vinha de longe, chamada Ribeira do Alandroal, vestida de saia e blusa da cor das flores dos alandros. 


Ao fazer esta nova amizade, Lucefécit, era já uma senhora e tinha feito muitos amigos, mas como tinha de continuar o seu caminho, foi em linha reta até ao Moinho da Volta, para logo a seguir dar de caras com o Alto de São Gens, que lhe barrava o caminho. Como não o podia passar, virou à sua direita e, serenamente, passou pela Ponte Velha. Andou um pouco mais para baixo, até que encontrou do seu lado direito, um outro menino chamado, Ribeiro da Cruz, que vinha dos lados de Terena e acolheu-o no seu regaço. 


Olhou para cima e, lá ao longe, viu Terena com o seu imponente Castelo que, lá do alto da colina vigia tudo à sua volta.


Lucefécit não se deixou intimidar pela  imponência do castelo. Olhou para ele, de soslaio e deixou-o ao seu lado direito. Até ao momento, tinha galgado terreno agreste, passando agora a dar lugar à horizontalidade da terra, e assim seguir em frente pela planície, já mais aberta e ampla a perder de vista, até que chegou à Igreja de Nossa Senhora da Boa Nova. Quase a beijou e decidiu descansar um pouco sob um manto de lírios e malmequeres brancos e amarelos.

Seguiu novamente em linha recta para receber mais abaixo, nos seus braços, três amigos chamados Ribeiro dos Barrancos, que surgia ao seu lado direito, Ribeiro do Negro e Ribeira do Alcalate, que surgiam ao seu lado esquerdo.

Continuando o seu caminho pela planície adentro, feita a amizade com os Ribeiros do Belo e dos Apóstolos que vêm do seu lado esquerdo, um pouco mais abaixo, do seu lado direito, Lucefécit não consegue vencer um esporão rochoso chamado Castelinhos, para logo a seguir, acenar pela última vez,ao Moinho e à Igreja de Nossa Senhora das Neves, ao Moinho e aos montes do Roncão e do Aguilhão, que lá do alto, vigiam o rio Guadiana.


Lucefécit, inicialmente plena de energia e apesar da força acumulada ao longo do seu difícil caminho, já não tem força para vencer a Rocha de Santa Catarina. É aqui, que dá então o seu primeiro e receoso mergulho no Rio Guadiana.

E assim, decide terminar a sua longa e penosa viagem, mas ao mesmo tempo muito rica, pois tinha feito muitos amigos, tal como havia imaginado poder vir a acontecer.

Évora, 9/01/2010 Luís de Matos



Uma Família de Lontras       (a dar à estampa)



 Estamos em plena Primavera. Muito próximo de Terena, a ribeira de Lucefécit, também conhecida por Boa Nova, de águas muito límpidas e cristalinas, corre para o rio Guadiana e este, por sua vez, só para no Grande Lago de Alqueva. Na planície, abundam as azinheiras, sobreiros e oliveiras, que se estendem quase até à margem da ribeira de Lucefécit. Aqui e ali existem os freixos, choupos, plátanos, estevas, piornos, rosmaninhos e alandros com flores brancas e vermelhas.
 A Primavera é,  realmente, a estação das flores de muitas cores. Abundam os malmequeres, brancos e amarelos. E, as papoilas, com a sua cor avermelhada, misturam-se com o manto  ondulado e o doirado das espigas de trigo. Os silvados também existem em grande número e as suas amoras servem de alimentação aos rouxinóis, melros e outras espécies de passarada. Há sempre a tentação de colher as saborosas amoras para comer ou para as preparar em casa, para fazer licor e compotas.
Em muitos pegos da ribeira de Lucefécit e, por vezes junto à margem, não faltam as tabúas, junça, buínho e as frágeis e elegantes libelinhas, pousando no espelho de água e nas tabúas. Podemos ver borboletas das mais variadas cores voando rente à água, ou fazendo grandes acrobacias por entre as tabúas e o juncal.
A ribeira de Lucefécit tem uma beleza muito especial. Ao longo do seu percurso, que é muito bonito, podem ver-se muitas variedades de flora. As muitas curvas apertadas da ribeira fazem com que as águas, quase abracem a outra margem.
 A acrescentar a esta paisagem idílica, existem passarinhos das mais variadas cores e espécies que, logo pela manhã, pousados na copa das árvores, dão início a um lindo cantar. É certo que é menos musical, mas também não deixa de ser artístico, parecendo até um concerto executado por uma banda de música que, associado ao silêncio dos campos, a torna num local paradisíaco.
Por vezes, aqui e ali, a ribeira é rodeada por altas escarpas de xisto. Com o passar de muitos e muitos anos, devido aos fortes ventos e chuvas, muitas das lajes de xisto soltam-se e espalham-se pelas íngremes encostas. Outras vezes, caem devido à ação do homem, quer seja através da agricultura, ou do seu arranque propositado para a construção de habitações e muros, tornando estas construções muito apreciadas, não só pelos habitantes locais, mas também por outras regiões do país. Muitas são as lajes espalhadas ao longo das margens da ribeira de Lucefécit, camufladas com a bravia vegetação que, muitas vezes, servem de toca para as lontras e seus filhotes.
Na ribeira de Lucefécit, existem algumas lontras mas, é muito difícil vê-las porque se escondem no seio do seu habitat.
Logo pela manhã, mal o sol nasce, a mãe lontra, de nome Juca, começa o dia, com as suas mãozinhas ligadas por uma membrana, acariciando os seus três filhotes, a que deu os nomes de Miguel, Linda e Flor. A mãe Juca vigiava os três filhotes que estavam deitados sobre a frescura das ervas a brincar e a descansar de barriga para o ar. E assim passam horas e horas, deleitando-se com os mimos da mãe Juca.
Um dia, as três jovens lontras, depois de autorizadas pela mãe Juca, resolvem iniciar uma viagem, ribeira abaixo, à descoberta de outros locais, mas sempre com a promessa de, antes do anoitecer, regressarem à toca, para junto da mãe lontra. Esta já os tinha ensinado a defenderem-se dos homens e de outros predadores, que andam sempre por ali perto, escondidos nas margens, sorrateiramente, à procura de alguma presa. As três jovens lontras nadaram, nadaram, até se cansarem. Como já estavam muito fatigadas, decidiram fazer uma pequena paragem na margem da ribeira. Eis que, de repente, foram alertadas para qualquer coisa de anormal que lhes perturbou o descanso.
-         Fujam já para dentro de água! - disse o Miguel. - Vamos para aquele pego mais fundo, para nos podermos esconder mais facilmente.
-         Que bicho era aquele tão feio, esquisito e grande? - perguntou  Linda, ainda meio assustada.
-         Era um cão. Que horror! Que cheiro pestilento,- respondeu o Miguel com toda a autoridade de quem conhece muito bem os outros animais. Deve andar perdido, ou foi algum caçador que o abandonou, vendo que não era bom para caçar.
-         Mas nós é que não temos culpa... Não queremos ser mordidos e muito menos servir-lhe de refeição. Não é nada parecido com a gente! Talvez não nos fizesse mal, mas nunca fiando, podia ter fome e atacar-nos. Foi o melhor que fizemos. Não foi Miguel? - disse a Flor.
-         Sim. Safa! Que susto. Livrámo-nos de boa. Foi por pouco... Agora fiquemos aqui escondidos, mas temos de estar sempre alerta - disse o Miguel.
 Claro, para isso é que servem os nossos ouvidos e pelos que temos junto à boca e ao nariz, que são os nossos órgãos sensoriais.
Finalmente, ao fim de algum tempo, o perigo passou. O cão, aquele animal pestilento,  tinha resolvido partir.
-       Prestem atenção: o que é que acham se fôssemos colher flores para oferecer à nossa mãe? Mas não nos podemos afastar muito uns dos outros, e muito menos da margem, porque se aparecer algum perigo, corremos a esconder-nos na água. Só aí é que estamos a salvo, - disse o Miguel.
-       Boa ideia! Então vamos. - disse a Linda.-Olha, há ali malmequeres, lírios e papoilas. Que bonito ramo que vamos fazer! E assim, as três jovens lontras deitaram mãos à obra.
Agora é a vez de Flor, dar ordens ao Miguel. É certo que é mais nova, mas nessa questão de flores, ela é que sabe:
- Colhe ali aquela papoila e aqueles malmequeres, enquanto eu vou colher uns lírios e um ou dois pés de rosmaninho, que cheiram muito bem. Vais ver como vamos fazer um bonito ramo. E a nossa mãe vai ficar tão contente! - disse a Flor.
-       Pronto, aqui tens. Agora, quero ver a tua habilidade. Uma vez que tu é que sabes... - desabafou o Miguel, um pouco amuado, pois não tinha achado graça nenhuma ao facto de a Flor lhe dizer para colher só malmequeres e papoilas, quando ele queria colher flores de todas as espécies e cores.
Mas, como bons irmãos, depressa passou o pequeno amuo.  Continuaram numa grande agitação e orgulhosos no trabalho de decoração da toca.
- Quando a mãe Juca chegar, vai ter uma boa surpresa, - disse o Miguel.
-       Olha Flor, estes brincos são para ti. Também te fiz um colar de malmequeres. E para também fiz um colar para a Linda. Não tinha linha para enfiar os malmequeres, mas colhi um pé de junça e resultou. Tomem-nos, pendurem-nos ao pescoço. Mas, pensando melhor, dai cá os colares que eu ajudo a colocá-los. - disse o Miguel.
-       Que bonito, mano! -  muito obrigada, disseram Linda e Flor, já um pouco comovidas, enquanto o Miguel lhes dava a face para receber dois beijinhos delas ,em sinal de agradecimento.
Ao final da tarde, a mãe Juca chegou a casa. Quer dizer... à toca, que estava muito bem decorada com as flores que os três tinham colhido. A mãe Lontra foi apanhada de surpresa e agradeceu aos filhotes, por terem enfeitado a toca com flores tão bonitas. Depois mostrou-lhes o enorme peixe que tinha apanhado para o jantar. A mãe Juca cozinhou o enorme peixe e, enquanto comiam, cheios de entusiasmo, contavam à mãe as aventuras do dia. A mãe ouvia-os com muita atenção e com todo o seu amor, próprio de mãe, disse-lhes:
-                   Sim, eu sei. Acompanhei-os sempre de perto para ver como é que vocês ultrapassavam as dificuldades que existem no nosso habitat. Hoje passaram por uma experiência completamente nova que se veio a confirmar numa boa prova de sobrevivência. Se quiserem, amanhã deixo-vos ir visitar o avô.
     - Boa, boa! - disseram os três ao mesmo tempo.
    - Por hoje já chega, disse-lhes a mãe Juca. Agora vão deitar–se, porque amanhã têm um grande dia pela frente.
Nessa noite, Miguel, Linda e Flor, não dormiram o habitual sono profundo das noites anteriores. Mal rompeu o dia, levantaram-se de imediato para um passeio que eles consideravam muito especial, pois desta vez, tinham um local certo a visitar. Era a casa do avô, e isso excitava-os.
-       Mãe, sabes onde fica situada a casa do avô? - perguntaram as três jovens lontras ao mesmo tempo, tal era o nervoso miudinho que se tinha apoderado delas.
-       Sim, sei.- respondeu a mãe. Fui lá criada, não havia de saber? Próximo da casa, existe um monte muito grande e muito importante, onde outrora existiram povos muito sábios, que se orientavam pelas estrelas e pelo sol. Sabiam ver quando chovia, nevava, fazia frio ou calor. Respeitavam as plantas e as árvores, os animais e as águas da ribeira. Todos os homens eram amigos uns dos outros, e as crianças brincavam e corriam alegremente por entre flores, de todas as cores que possas imaginar. As cores eram tantas que até parecia o arco íris. Na margem da ribeira, o avô tem uma pequena horta e um moinho para fazer farinha. Tem também um forno para cozer o pão com a farinha que ele próprio mói no moinho. O pão feito pelo teu avô é muito saboroso,  e quando sai do forno, nem vos digo! É cá um aroma! E como sabes, o pão é muito bom para a nossa alimentação. Bom… vão embora, porque se começa a fazer tarde,- disse a mãe Juca.
As três jovens lontras, deram então início à viagem, só que desta vez, era feita ribeira acima, para os lados do tal monte muito grande. Tinham de vencer algumas correntes mais fortes da água da ribeira, pois nadavam contra a corrente. Nadaram, nadaram, até se cansarem. E quando na margem da ribeira pararam para descansar, já um pequeno grupo de cinco jovens lontras tinha feito o mesmo. Com cautela, aproximaram-se e, prontamente, o Miguel perguntou-lhes como se chamavam, de onde vinham, para onde iam e porque é que estavam ali? Queria saber tudo sobre eles, e conforme as respostas, logo veria se podia confiar neles e serem amigos.
As respostas não tardaram. Logo o Duarte, com toda a sua sabedoria e entusiasmo, fez as apresentações: esta aqui é a Inês, esta é a Leonor e estes são o Tomás e o Afonso. Estes dois últimos, são os mais novos. Ainda têm alguma dificuldade em acompanhar o nosso ritmo de nado. Por isso tivemos de fazer aqui uma pausa. Não temos um destino certo, nem horário a cumprir, simplesmente viemos dar um passeio, calmamente, para alertar sobre os perigos e preparar estes dois mais novos para a vida, bem como a Leonor, o Tomás e o Afonso, pois têm ainda muito para aprender: têm de conhecer outras águas e paisagens, uma vez que só conhecem os pequenos ribeiros onde vivem com os pais. E então? Achas que respondi às tuas perguntas? Merecemos a tua confiança para podermos ser amigos?- perguntou o Duarte.
-         Bom... Não sei...- respondeu o Miguel com alguma hesitação.
-        Está bem. Se não tens confiança...- respondeu o Duarte e preparando-se para abandonar o diálogo, revelando-se  nitidamente desinteressado.
-         Bom, está bem! - respondeu finalmente o Miguel.
-        Então, se nos consideras amigos, daqui em diante, eu gostava de ser o líder do grupo, porque como vês, nós somos cinco e vocês são apenas três. Eu tenho mais experiência e conheço melhor estas águas do que tu. Sei onde pode estar o perigo à nossa espreita e viemos de mais longe, argumentou o Duarte, justificando a sua proposta. - Estás de acordo?
-        Sim, não me importo, - respondeu o Miguel.
-        Hei! - e nós as duas,  não temos direito a dar a nossa opinião? - perguntaram a Linda e a Flor.
-        Claro que têm, mas nestas circunstâncias não temos alternativa. Além disso, qual é o mal de serem eles a indicarem-nos o caminho? - perguntou o Miguel. - Nós só queremos ir a casa do nosso avô, queremos conhecer a horta e o moinho dele e que nos ensine a trabalhar com o moinho. Queremos aprender a transformar os grãos de milho e os bagos de trigo em farinha, para fazermos pão. Queremos aprender a deitar sementes à terra para nascerem as plantas e plantar couves, alfaces, cenouras...Queremos aprender tudo quanto o nosso avô nos possa ensinar, porque a nossa mãe disse-nos que ele sabe muitas coisas. E, assim, pode ser que um dia eu e os meus irmãos possamos ensinar os nossos filhos e netos. Não nos havemos de esquecer do que ele nos pode ensinar. Não concordas? Como vamos adorar! - Eh, eh, eh…- riu o Miguel. E, virando-se para o Duarte, perguntou-lhe: - Já agora, se não te importas, deixa-me fazer-te uma pergunta: Tu sabes, onde é o moinho do meu avô, já que conheces tudo? Ensinas-nos o caminho? A nossa mãe, disse-nos onde era, mas mais vale perguntarmos o caminho para termos a certeza de que não nos perdemos - disse o Miguel.
-       Claro que sei! - respondeu o Duarte. - Não te disse já, que conheço estas águas como ninguém? Fica descansado! - disse o Duarte, tranquilizando-o. - E a ribeira é muito grande! Tem muitos afluentes, mas isso para mim não tem qualquer problema: é só seguirmos ribeira acima, e depois, onde encontrarmos uma grande enseada e um açude feito com muitas  pedras, que os homens há muitos anos construíram para reter a água para fazer trabalhar o moinho, é logo ali, na margem direita. Não custa nada. Vais ver que não vai ser difícil lá chegarmos porque eu conheço muito bem este local. Podem confiar, meus amigos.
E assim, depois de estabelecida a amizade, partiram todos, alegres e sorridentes, de barbatanas dadas uns aos outros e, abanando as caudas, calmamente, seguiram ribeira acima, em direção à horta e ao moinho do avô, que os três irmãos, tanto desejavam conhecer.
 Évora, 17 de Agosto de 2008            Luís de Matos