sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Pequena Homenagem Ao Meu Primo Alberto

Éramos praticamente da mesma idade. Ele com menos um ano do que eu. Nos nossos tempos de meninos brincávamos e fazíamos as nossas diabrices, sempre juntos. Desde esse tempo que nasceu uma cumplicidade para o resto vida. Fazíamos os nossos próprios brinquedos. Não podíamos passar um sem o outro. Naquela época, não havia brinquedos. Eram as crianças que tinham que os fazer, o que nos dava gozo. Fazíamos as nossas próprias espingardas de cana para brincar às guerras. Saltávamos as paredes das tapadas e quintais para nos escondermos atrás das mesmas, para daí atingirmos o nosso amigo ou imaginário inimigo. “Estás preso”, gritávamos e aparecíamos com ar triunfante.
Quando chegava o Natal, lá íamos nós ao musgo para o Presépio da Escola Primária. O musgo era tirado dos troncos das centenárias oliveiras do cerrado ou das paredes de xisto. Como conhecíamos muito bem o terreno que pisávamos, já sabíamos onde poderíamos ir buscar o melhor musgo. Não só porque nos dava um grande prazer mas porque queríamos apresentar o melhor que havia. Penso que queríamos que a nossa participação no Presépio fosse ao mais alto nível. Naturalmente, quem sabe se era até para contentarmos um pouco o professor Cláudio. Nessa época havia muito musgo, pois havia muita humidade. Havia anos que chovia todo o Inverno. As invernias eram grandes. Chovia meses seguidos. Lembro-me bem em que chovia ininterruptamente entre os meses de Novembro e Fevereiro. Os homens não podiam trabalhar no campo para ganhar o sustento da família. Hoje devido à incúria do homem e ao progresso está a provocar ao aquecimento global do planeta, é o que se vê.
Vou empregar um termo muito usual. Um mouro de trabalho. Assenta perfeitamente no meu primo Alberto. Trabalhou dia e noite, como se costuma dizer A maior parte das vezes sempre acompanhado pela sua mulher, a Joana. De madrugada, ainda mal se via, lá estavam eles a ordenhar as primeiras quinze vacas leiteiras que entretanto tinham mandado vir da Holanda. Ao princípio as vacas eram ordenhadas à mão lá na horta, e tinham que ir entregar o leite ao depósito nas Hortinhas, na sua carrinha Mazda vermelha que possuía. Mais tarde, reforçaram a dose com mais cinquenta que importaram do país das tulipas e mudaram-se para o Monte Outeiro. Aí já havia mais espaço. Adquiriram um moderno equipamento de ordenha mecânica. Mas os trabalhos nunca acabavam, antes pelo contrário. A vida era muito dura. O Alberto era novo, tinha força, tinha saúde. Acabada a ordenha, de uma maneira geral tomava o pequeno almoço, punha o tractor a trabalhar e lá ia ele lavrar as suas terras ou de alguém que lhe pedia que fosse lavrar ou semear uma courela ou olival.
Recordo-me no início de ter as vacas, fui passar um ou dois dias com ele lá ao monte, Outeiro, onde residiam. Sempre acompanhei de perto como ele, a Joana e os filhos (quando não estavam a estudar) trabalhavam na sua actividade agrícola.
Num desse dias, estava a família reunida à hora do jantar. Vai um café e um Wisky e mais outro. A conversa estava animada.
– Bem, amanhã tenho que ir para Évora, disse-lhe.
– Já?
– Sim, que a minha vida não é a tua, desabafei.
– Não. Amanhã vás ajudar-me a carregar fardos, que os gaiatos estão na escola, no outro dia vamos apanhar peixe para fazermos uma caldeta e depois já te podes ir embora.
– Nem pensar. Carregar fardos? Então não vez que não tenho força para isso, compadre?
– Diz-me ele:
– Pronto está bem, com um ar um pouco triste mas sempre com um sorriso. Mas tens que me levar o tractor para Évora.
– Olha! Então eu não digo que o rapaz não está bom da cabeça? Já não bebes mais. À não bebes não.
– Sim. Levas o tractor à Lagril para fazerem a revisão.
Era Verão, mas as manhãs eram frescas.
Disse-lhe:
– Tu estás maluco. Então não sabes que nunca conduzi um tractor na minha vida? Já viste que tenho que estar às nove horas no trabalho, levo duas horas até Évora, deixar o tractor na oficina, ir a pé para casa, tomar banho e estar a horas no trabalho? A que horas é que tenho de partir aqui do monte?
Tudo isto era verdade, dizia-me ele. E continuou.
– Então não tens a carta de pesados?
– Sim, mas nunca conduzi um tractor, não tenho prática. E voltou à carga.
– Deixa-te de brincadeira. Aquilo não tem nada que saber. Empresto-te o meu blusão para não teres frio. Olha, levas também um boné para não teres frio à careca. Vás, deixas o tractor na oficina que eu depois combino para o ir buscar.
– Bom, a muito custo, lá me convenceu.
Mas, por outro lado, eu também queria ter o prazer de fazer uma viagem de tractor. Queria saber como era conduzir aquele pequeno monstro. Pensei. Então se vou para Évora, que diabo, porque carga d’água não hei-de fazer este pequeno jeito ao meu primo? Para mais é um gajo que até gosto como se fosse o irmão, que nunca tive? Acertámos então que levaria o tractor para Évora. Fomos deitar. Por volta das cinco da manhã enfiei os sapatos castanhos que tinha levado para a viagem, calça vincada, camisa de manga curta, blusão bem forte para me proteger do frio, boné da Caixa Agrícola e assim iniciei a viagem numa linda figura. Está-se mesmo a ver pelas minhas vestes. Despedimo-nos. Subi para o tractor pronto a receber a última lição de condução e tratei de me pôr a caminho em direcção Hortinhas, Orvalhos, Foros da Fonte Seca, Redondo e finalmente Évora. Em toda a viagem raspei um frio desgraçado, apesar do blusão que me havia emprestado ter dado muito jeito, mas não foi o suficiente. Foi uma viagem emocionante e única. Uma boa experiência, também. Porque é que ele havia de perder tempo, quando tinha lá tanto trabalho no monte?
Entretanto, passaram-se cerca de vinte anos. Nós nunca pensamos na doença, mas quando ela vem a sério, não há nada a fazer. O Alberto era o irmão que eu gostaria de ter tido.
Não houve cura para o teu mal. Estejas onde estiveres, os herdeiros do teu trabalho, manterão o fruto na oliveira e a bolota na azinheira. Os teus campos continuarão a produzir cereal e o teu rebanho continuará a ser alimentado e a reproduzir-se.
Algum tempo antes de lhe aparecer aquela maldita doença, ainda tínhamos brincadeiras com se fôssemos crianças. Não daquelas de brincar às espingardas mas de outra já mais próprias para a nossa idade, ou pensávamos nós que o eram. As nossas mulheres, filhos e outros familiares que por ventura estivessem presentes nos inúmeros convívios familiares, achavam muita graça. Era uma amizade genuína e diria até, legítima de uma vida. Sempre acompanhei o seu sofrimento. Mas, já na fase final da sua doença, quando lhe pegava na mão e ele me a apertava, ao mesmo tempo que me fazia carícias na mão, como a querer falar sem poder e eu, beijando-o na face ou na cabeça, já sem cabelo como eu, devido à idade e as lágrimas a caírem-me ininterruptamente, tal como neste momento, que tenho dificuldade em ver o teclado do computador. Era um grande sofrimento. Sem o querer perturbar, mas dizem que ele se devia aperceber. Ninguém podia imaginar o sofrimento e a dor que me ia na alma e que me vai marcar para o resto dos meus dias. Alguns poderão dizer: Mas que gajo de manteiga. A esses, simplesmente, digo: Estou-me nas tintas para vocês. É o que sinto, e pronto. Ao escrever estas simples palavras, são a melhor homenagem, sentida, que posso fazer ao meu querido primo Alberto, meu irmão.
Finalmente, para a sua esposa. Obrigado por tudo, Joana. Esposa e Mãe. Grande Mulher.
Bem haja! Luís de Matos

UM CASAMENTO NAS HORTINHAS

Recordo-me que os casamentos realizados há muito tempo na Igreja Matriz , em Terena, o adro da igreja enchia-se de curiosos, homens e mulheres, sendo estas em maior número, rapazes e raparigas, todos mortinhos para assistirem à saída do casamento. Como raramente acontecia algo de especial na vila, então um casamento era sempre novidade, muito mais que um baptizado.
- Havia sempre as mulheres mais impacientes; “nunca mais saiem”.
- Devem estar a pagar ao Padre, a fazer o registo diziam algumas.
- Dizem outras; “ lá veem”.
- Faz uma noiva muito bonita, dizem umas; outras dirão “já vi melhori”.
- Olha! “trás olhos de chorar”.
- “ E que chori”. “Que mal faz. Não se faz feia por isso”…
- Há! Olha ó vestido. Reparem, assenta-lhe bem e está na moda.
- E o véu que lindo!.
- Olha Maria, e a grinalda! Linda! Bela prenda concerteza…
- Ó já tenho visto melhor dizem outras.
- Olha! E o noivo! “Rapaz desenxovalhado”. “ É bonito”…. Um pouco sério.
- “Também vem bem vestido”. “Sapato preto e fino”. “Bonito fato! . Sim senhori.
Quando os noivos passavam a porta da igreja e punham os pés na calçada branco ou azul e bordadas atiravam as amêndoas ao ar. Era ver a rapaziada do adro, logo seguidos dos Padrinhos, estes abriam as bolsas de cetim empurrarem-se uns aos outros para ver qual deles apanhava mais amêndoas e rebuçados. Alguns gritavam “prá qui, prá qui”. Outros apanhavam-nas do chão e acompanhavam os noivos como que a servirem de escolta.
Lembro-me do meu primo Alberto me dizer; Tal dia tenho um casamento nas Hortinhas. É uma prima da Joana que vai casar com o João Nunes. É um moço que é deficiente das Forças Armadas.
- É pá ! Isso faz-me logo lembrar a guerra colonial. Sabes como eu sou de manteiga para essas merdas.
- Não interessa. Eu não tenho carro e tu vás levar a gente.
- É pá …Bem, está certo.
- E ficas lá prós comes e bebes.
- Eu? Sem ser convidado?. Nem penses nisso. Não conheces o ditado que diz que a casamentos e baptizados só vão os convidados?
- Há! Isso prá li não conta compadre. É hábito que o condutor seja considerado um convidado.
- Bom, chegou o dia, lá apareci para levar o Alberto, a Joana os dois filhos (Zé e Sérgio). Quando cheguei ao local combinado já lá estava o Zé Catita e foi ele que acabou por os levar no seu velho Wolkwagem 1200 azul, enquanto o meu peugeot 104 levava outras pessoas que também não tinham transporte.
- Dizia-me o Alberto: Olha, tu levas essas pessoas que aquilo lá é tudo gente boa. Eu falo com os meus compadres, digo que és meu primo e acabou-se.
- Acabou-se não. Então não conheces o ditado que….
- Deixa-te lá de ditados! Tal é isto hã!.
Devo dizer que os familiares dos noivos foram umas pessoas extraordinárias. Da maior simpatia que pode haver. Todo o pessoal do casamento. Foi de uma simpatia extrema. Duvido que noutra qualquer localidade haja tanta hospitalidade. Isto marcou-me para sempre. Se calhar é por isso que tenho muita consideração pelo pessoal das Hortinhas. São pessoas sempre bem dispostas e sabem receber quem vem de fora.
Luís de Matos