sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Conversa entre o Trigo e a Erva

CARRAPATELO
Francisco Baltazar “”Ti Passinhas” (71 anos) Ano 1977 Analfabeto

Isto é a erva. É o trigo a falar por causa da erva.
Muitas das vezes abafa-o. E dá cabo da serara.
É por isso que o trigo fala:

MOTE
Ó erva tu não és boa
Nunca devias nascer
Eu sou o trigo espalhado
Para toda a gente comer
I
Ó erva tu não devias
Na terra enraizar
Vens ao mundo a brejear
Se t’apanhas regadia
Cresce de noite e de dia
Até mesmo que alguém se doa
Desgraçada da pessoa
Que tu a seara lh’abafas
Até a terra lh´estafas
Ó erva tu não és boa.
II
Se à primavera chegares
É assim que estás contente
Por isso é que há tanta gente
Que te vai a arrancar
Tu queres por força apanhar
Tudo, para mais nada viver
A posse que tu queres ter
Nunca pode ser assim
Há anos que me fazes assim
Nunca devias nascer.
III
Sou a planta mais mimosa
Que neste mundo se cria
Se Deus me dá fantasia
De me ver meu dono goza
Sou planta maravilhosa
De todos sou elevado
Tudo tenho sustentado
Sem mim não podem viver
Quero dar à erva a saber
Eu sou o trigo espalhado.
IV
Se eu um ano não nascesse
O que seria do cristão
Estando um ano sem haver pão
Talvez que tudo morresse
Se eu desaparecesse
Que não me tornassem a ver
Como é que podia ser
Durar isto muito tempo
Se eu dou pão para o sustento
Para toda a gente comer.

AGORA RESPONDE A ERVA

MOTE
Tu és trigo e eu sou erva
Nós podemos ser iguais
Tu sustentas os humanos
E eu sustento os animais.
I
Ó trigo és meu irmão
Nascido do meu vale
Tu de mim não faças caso
Que não perdes a feição
Eu também tenho razão
Que a terra é que nos conserva
Com a fresquidão da névoa
Deito raízes ao chão
Eu dou carne e tu dás pão
Tu és trigo e eu sou erva.
II
Sou planta abandonada
Nascida ao rigor do tempo
Eu contudo me contento
Com terra sem ser lavrada
Comigo não gastam enxada
Crio-me nos brejos e (vais)vales
Eu aumento os capitais
Tu encontras-me firmeza
Dou interesses sem despesa
Nós podemos ser iguais.
III
Ó trigo na tua sementeira
Tu andas sempre empenhado
Pois tu só comes prestado
Da poderosa oliveira
É assim que é a maneira
Contigo há tantos enganos
Só dás erros nos planos
E comes interesses dos prado
Que dás sustento aos humanos.
IV
Tu queres ser tão gabado
Mas não é como tu dizes
Há já muitos infelizes
Por tu não dares resultado
Já muitos se têm matado
Por perderem cabedais
Ó trigo tão falso sais
Que só dizes mal de mim
Olha que eu não sou ruim
Eu sustento os animais.

Sem comentários: