terça-feira, 25 de setembro de 2007

TIMOR

Povo heróico de Timor
Confiaste no engenho e na força
Do homem para renovar,
Xanana comandante
Pegou em armas para lutar,
Firmando as suas ideias
Sua Pátria defendeu do ditador,
Vinte e quatro anos passaram
Nas altas montanhas de Timor,
Bramindo a espada,
Versando ou pintando sempre
A filosofia do amor,
Na horrenda prisão,
Cultivou a diplomacia,
Cantou a vida com energia,
Venceu o horrendo monstro,
E nós em terras de Diana
Perpetuamos Xanana.
Luís de Matos
Outubro/99

INVASÃO Timor


Palácios de mármore,
Luxuosos jantares de gala,
Eis que Ford embala
Indonésia para Timor.
Refugio das montanhas,
Fugindo do terror,
Resistente, anónimo povo
Que sofre até às montanhas.
O indonésio matou
No Cemitério de Santa Cruz,
O mundo viu e despertou,
Xanana, no tribunal denunciou
Os crimes da Indonésia.
Na prisão do Cipinang recebeu
Teia de ministros e embaixadores,
Horta e Belo na paz e diplomacia,
Comandante pinta e escreve poesia,
Da invasão muitos fugiram,
A Igreja Católica escreveu e ficou,
Resistiu e evangelizou,
A Interfet chegou com justeza,
E o poeta Cinatti falou,
Olha-me por essa gente portuguesa.
Luís de Matos
Outubro/99

sábado, 22 de setembro de 2007

A LENDA DOS TRÊS RIOS

Havia três rios gémeos que tinham nascido e crescido juntos em Espanha.
Não queriam saber como se chamavam, apenas lhe interessava saber que eram irmãos, mas tal como os homens, passaram a usar um nome para não se confundirem.
Um chamou-se Douro, outro Tejo e o último Guadiana. Na terra onde viviam, levavam uma vida calma e feliz. Mas um dia pensaram sair desta monotonia, conhecer outras terras e ir até ao Mar. Como já tinham um nome como os homens, também passou a haver ambição e rivalidade entre eles. Certo dia, um deles disse para os outros; Esta é a última noite castelhana que dormimos juntos. Logo pela manhã, cada um por seu lado, vai tentar ser o primeiro a chegar ao Mar. Concordaram, e os três rios irmãos foram-se deitar.
De madrugada, ainda quase não se via, Guadiana, levantou-se em bicos de pés, sem fazer qualquer ruído para não acordar os dois irmãos, partiu sem dizer nada. Para trás ficaram os dois irmãos, que dormiam um sono de chumbo. Quando o Tejo acordou, não viu o Guadiana, zangado pôs-se a caminho, nem se lembrou de avisar o Douro. Finalmente o Douro acordou sobressaltado. Zangado de se ver só, no início faz algumas curvas em volta de Sória, mas depressa se lançou numa correria em perseguição dos irmãos, em busca do Mar, para ver se chegava primeiro. Ainda meio a dormir, acabou por se orientar a caminho do Mar. Parte em linha recta a caminho de Aranda del Duero, passa perto de Valhadolid, Tordesilhas, e roça Zamora, cego na sua carreira, esbarra com as altas terras de Trás-os-Montes, dá a volta, saltando aqui e acolá, sempre apertado entre os montes, rompeu por onde pôde, só parando no Porto, para se lançar no mar, após uma correria desenfreada.
Por sua vez o Tejo, inquieto com o avanço dos seus irmãos Guadiana e Douro, não encontrou logo o seu rumo. Após algumas voltas, ficou encantado com a beleza de Toledo. Vai em linha recta para a Extremadura espanhola e entra em Portugal por Alcântara. Sem grande pressa chega às portas de Ródão, e já com a meta à vista, chega às lezírias ribatejanas, e deleita-se nas suas margens. Finalmente, sem pressa chega a Lisboa.
Guadiana, foi o primeiro a acordar. Partiu de madrugada, ainda sem luz o que levou quase a perder-se. Primeiro desceu para sul, mas perde-se junto a Ciudad Real e segue mais para Norte. Andou meio perdido, até que encontra Mérida e Badajoz. Por fim, avista terras de Portugal. Beija Juromenha, mal toca na planície alentejana, põe-se a caminho, sem pressa, para Vila Real de Santo António e Ayamonte, para o seu mergulho nas águas do mar.
O Guadiana foi um rio preguiçoso e medroso, tal como receou a correria e a competitividade dos irmãos, Tejo e Douro. Quis ganhar tempo e preferiu a correria para o sul.
Entre o Guadiana e o Tejo, fica muita terra sem água. Esta terra, que podia ter sido ganha por Guadiana, tal como fez o irmão Douro, que se apoderou dos vinhedos debruçados sobre as suas águas, o Guadiana não soube conquistá-la para si. Foi o seu irmão Tejo, que deu o nome às terras de entre o Tejo e Guadiana, chamando-se, Alentejo.

Luís de Matos

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Fundamento "Rainha Santa Isabel"


PERSONAGENS:

MESTRE……………………………… Angelina dos Santos
REI D. DINIS…………………………. Vicente Vieira
VASSALO MOR…………………….. Manuel Banha
ESCRAVO 1.º……………………….. António dos Santos
RAINHA SANTA ISABEL ……………. Maria Alzira Furão
INFANTE D. AFONSO ……………… Domingos Silva
INFANTE D. SANCHES …………….. Claudino Pãozinho
AMANTE DO REI D. DINIS ………... Maria Graciete Vieira
SOLDADO QUE AVISA O REI ……. António Prego
ESCRAVO 2.º ………………………. Joaquim Pulga
VASSALO 2.º ……………………….. António Pereira
MINISTRO CONSELHEIRO ………… Augusto Vieira
PALHAÇO 1.º ………………………. Joaquim Zacarias
PALHAÇO 2.º ………………………. Adelino Balixa
BANDEIRA …………………………… Manuel Grilo
ACORDEONISTA ……………………. Julião Dias

“Brinca” do Bairro de Santo António

MESTRE 1.º

Queira-me sua excelência desculpar
De eu ser um pouco atrevido
Venho a sua excelência fazer um pedido
Na maneira mais vulgar
Queira-me a mão apertar
É sinal educativo
Saberá já o motivo
De toda a minha intenção
Formando a INTERCEPÇÃO
Para chegar ao objectivo
MESTE 2.ª
Eu teho a minha tendência
Sou um mestre carnavalesco
Tenho um grupo pitoresco
Pretendo-o apresentar, perante V. Ex.ª
Sem a mínima decadência
Pensei em lhe vir pedir
Se nos pode consentir
Que nós façamos a apresentação
Perante todos os que aqui estão
Peço-lhes, não venho EXEGIR
MESTRE 3.ª
Pois vamos então começar
Com a nossa apresentação
Queira-me apertar a mão
Para assim o recompensar
Vou já mandar avançar
Para apresentar a dança
O meu grupo não se cansa
De bendizer V. Excelência
Pois com a vossa licença
Vamos marcar a contradizer
MESTRE 4.ª
Como estou autorizado
Posso falar à vontade
Escutem, tenham a bondade
Caro povo educado
Peço que tudo esteja calado
Enquanto estivermos a falar
Para bem se apreciar
A obra vai decorrer
É digna de se ver
Vou um pouco explicar
5.ª
É a Rainha Santa Isabel
Dos Portugueses tão querida
Passagens da sua vida
E o seu lindíssimo papel
Seu filho Afonso Manuel
E o Rei D. Dinis, seu marido
Quem a história já tiver lido
Saberá compreender
Melhor gostará de ver
Será aqui referido.
6.ª
Era uma Rainha Santa
Dotada de sublimes virtudes
Restaurou muitas saúdes
A sua bondade era tanta
Até em coros se canta
Por jovens virgens mimosas
O seu milagres das rosas
E tudo o mais que ela fez
É um assunto português
Dito com as suas prosas.
7.ª
Já basta para se perseber
Pois vamos já começar
Queiram atenção prestar
A obra vai decorrer
Quem a história conhecer
Melhor sabe apreciar
Vamos o início já dar
Para tempo não se perder
Não queremos o Povo aborrecer
Que não gostam de esperar.
8.ª
Trago um Rei e uma Rainha
E o seu filho Afonso IV
Que para o pai foi um ingrato
Pelos ciúmes que tinha
Contra o seu pai revoltado
D. Dinis um filho bastardo
E uma amante do Rei D. Dinis
E o Conselheiro Luís
Dois fastudos e um estandarte enfeitado.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Tinha Treze Irmãos Quando os Pais Morreram

TERENA
António José Manuel Gomes “Ti Sargento” (79 anos)
I
Ao patrão peço licença
Uma vez só para falar
Se por acaso me é dar
Falo da sua presença
Haver se tem dó e consciência
Não mando embora os seus criados
Tenha dó dos desgraçados
Por alma de quem lá tem
Que do Céu lhe virá o bem
E os Amens esperam dobrados.
II
A terra é a mãe do alimento
Que dá para agente se alimentar
Se a terra chegar a falar
Faltar-nos há o sustento
Morremos num instante
E ventos, devemos crer
Se a terra deixar de haver
Onde iremos nós parar
Nisto não se precisa estudar
Que ninguém o chega a saber.
III
Mas se ela a água não regásse
O que é que a terra daria
A terra não produzia
Se ela a água faltasse
E sei que a terra que nasce
E a mãe dela é a rocha dura
A água a faz embrandecer
A terra só pode mãe ser
Em tendo a água à mistura.
IV
O Sol também é criador
O sol é um espírito vivente
O sol é a luz mais ardente
Que formou o nosso Senhor
O Sol com o seu calor
Dá a temperatura devida
O Sol anda na sua lida
Traz o seu tempo marcado
Mas se o Sol existe parado
É a terra comovida.
V
Diz a lua, eu também sou
A governanta do Mundo
Deste meu saber profundo
Experiência, ninguém tirou
Tudo quanto se gerou
Nos meus quartos foi transformada
Por todos sou desejada
Podem acabar de crer
É tão forte o meu poder
E se eu faltar não há nada.
VI
A Terra é a mãe da alimentação
A Água é a mãe da secura
O Sol é o pai da luz mais pura
E a Lua a mãe da geração
O Ar o pai da respiração
São cinco espíritos unidos
São os próprios cinco sentidos
Que Deus pôde transformar
Sem um deles não se pode passar
Digo eu, há-de ser lá desentendido.
VII
Quem formou a Providência
Que há que o Mundo formou
Homens de grande ciência
Ao Mundo ainda ninguém chegou
A Terra é alimentativa
Da Terra tudo nasceu
Da terra tudo comeu
Que a Terra é morte e é vida
Da Terra nasce uma liga
Porque ela a Terra é imensa
Se na Terra houver diferença
Quem é que o sabe dizer
Pois antes da Terra haver
Quem formou a Providência?
VIII
O Sol é o Rei da Luz
É o Rei dos Planetas
O Sol abre as violetas
E aquece a gelada cruz
Quando eu a pensar me puz
Minha alma suspensa ficou
Meu corpo se arrepiou
Meu sangue ficou gelado
E depois disto bem pensado
Que há que o Mundo formou?

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Tribunal de Analfabetos

A estória que vou contar, foi-me contada pelo Manuel Pisco e teve origem em Hortinhas, na década de setenta. É uma estória verdadeira. O Manuel Pisco é um dos Poetas Populares do concelho do Alandroal, natural e residente em Hortinhas.
Tudo aconteceu por causa do acesso ao Monte da Ladeira, no Monte Outeiro e que era uma propriedade do meu Ti Estevão. O Ti Manel Bia passava lá pela estrada. A minha Ti Leonor meteu-se à frente dele com um tanganho para não o deixar passar, mas ele que levava uma forquilha encostou-a à barriga da minha tia, e até ainda a picou. O meu Ti Estevão, apresentou queixa, na Guarda, foi tudo pró Tribunal do Redondo e levou várias testemunhas.
A minha avó, que se chamava Antónia Bia, meu avô Manuel Inácio Ventura (mais conhecido por Manel da Ladeira) e a minha mãe, Maria Rita (mais conhecida por Maria da Ladeira) , ninguém sabia uma letra. Era tudo um Tribunal de analfabetos.
Então o Dr. Juíz Chamou:
- Senhor Estevão José Bia?
- Pronto. Está aqui o homem.
- O que é que tem a alegar contra o réu?
- Atã mas “afináli” quem é o réu?
- É ali o senhor Manuel Inácio Bia.
- Ah! Esse gajo? Eu já “le” disse: Ó assinas, ó vás a caminho da vagarosa, (prisão) e despachem-se lá com isso, “quê” tenho lá as ovelhas pra “soltári”, sofro da “atensão”, e não posso aqui “estári”.
O Tribunal acabou por dar razão ao Ti Estevão e o traçado da estrada ainda hoje se mantém.
Luís de Matos

AS BRINCAS DE ÉVORA

1.Conclusões, Influências e Concepções

A presente compilação de “Fundamentos” (obras poéticas de poetas populares), com concepção de Brincas e “Gargalhada”, de autoria de Alexandre Joaquim Eduardo, infelizmente já desaparecido, são de Raimundo José Lopes.
As Brincas, são uma das formas de grande expressão cultural e etnográfico, de notável significado na cidade de Évora, mas é nos habitantes das quintas que elas encontram a sua maior receptividade e o gosto na organização de um grupo, de maneira a levar por diante a Brica. É no povo humilde, que eles estão profundamente enraizados.
Parece-me ser uma escolha importante, pelo significado cultural na região, pela importância que representa na preservação do nosso património cultural e ainda, porque para além de quantidade fica a quantidade dos textos. È disto exemplo, a criação do Fundamento “Grupo Sagrado” que nos fala da vida de José no Egipto, que em comparação com uma outra sobre o mesmo tema, denominada “Embaixada de Uma Representação de José no Egipto”, as páginas n.ºs 731 e 732 do Teatro Popular Português, Volume I, de J. Leite de Vasconcelos, é notória uma enorme diferença em termos dimensionais e porque não de quantidade? Será arrojo meu? Penso que não. Senão vejamos, os 14 versos do começo desta última obra, são idênticos à fala do Mestre no início do “Fundamento” Grupo Sagrado, só que, enquanto o poeta popular, Raimundo José Lopes, criou uma obra com mais de dois mil versos, a outra, apenas tem noventa e cinco versos, daí terá necessariamente que existir uma maior riqueza de texto.
Por outro lado, não me parece correcto o significado atribuído às Bricas, tal como é mencionado na página XV do Volume (religioso) do Teatro Popular Português, de J. Leite de Vasconcelos, que afirma serem as Bricas “Um espectáculo que constava de descantes e de baile organizado por grupos que o executavam, Ora, a uma Brinca, não se lhe pode dar essa definição. Quanto a mim (que não fiz mais do que proceder a esta recolha, deixando o campo aberto à moderna investigação antropológica) Brinca, é uma expressão de Teatro rimado, muito ao estilo de Gil Vicente, onde os Palhaços das Brincas as confundem com o Parvo do Teatro de Vicentino.
Pessoas há, que lhe atribuem características originárias do Teatro de Cordel do Século XVIII. Pode-se até dizer que a origem das Brincas se perde o tempo, No entanto, uma análise mesmo superficial que seja do ponto de vista do seu funcionamento e das estrutura dos fundamentos, aponta-se como verdadeiras representantes da “cultura popular cómica e burlesca”, que Gil Vicente tão bem ilustrou na sua obra.
Portanto, as Brincas, não são uma “brincadeira jocosa” como já ouvi dizer a alguém, dando-lhe até um ar de desprezo, possivelmente, porque nunca se debruçaram atentamente ou mesmo superficialmente sobre o tema. Antes pelo contrário, elas representam até temas bastante sérios e alguns actuais, (veja-se o fundamento “Grupo Exemplar”, se ele representa ou não a maldade dos homens, se é ou não o dia a dia do nosso mundo). Elas são uma forma de cultura popular, enraizada no povo de onde emana. É o povo que as cria via poeta popular e é esse mesmo povo que as representa no seu espaço que é a “Praça Púlica”, a rua.
As Brincas foram uma representação teatral baseada num Fundamento, cujo texto ex verso, (com excepção do fundamento ”Grupo Exemplar” aqui representado), se debruça sobre temas sociais, históricos, políticos, passionais etc. Se as Brincas são em Gil Vicente que fazem pensar, não só pelo estilo de representação como por certa temática dos Fundamentos, não são em boa verdade mais do que aquilo também já era o Teatro Vicentino; a continuação duma corrente de Teatro Popular, que por condições especiais de contexto social, pode ter os seus momentos altos em diferentes épocas.
É portanto, razoável pensar que, sendo Évora uma cidade de grandes tradições culturais (no campo do Teatro e da Música, não devemos esquecer a Escola de Música da Sé de Évora nos séculos XVI a XIX, sendo os séculos XVI e XVII o expoente máximo da polifonia em Portugal e a sua universalidade que foi das mais importantes do país), onde Gil Vicente representou o seu teatro, o gosto pelas representações populares, com as características das Brincas, cimentando raízes populares, tivesse atravessado os tempos até aos nossos dias.
À medida que ia “calcorreando montes e vales” em busca de elementos que me permitissem levar por diante esta recolha, sempre fui confrontado com s números obstáculos. O principal não era o das pessoas. Não, essas sempre comigo colaboraram. A dificuldade maior residia no facto de ter que juntar os pedaços de Fundamentos ou casco, ruídos, pelos ratos, rasgados, queimados, ou até cosidos como as de ter trapos se tratassem, enfim, num péssimo estado de conservação. O mesmo trabalho literário estava em poder de várias pessoas que em tempos participaram na Brinca, daí uma outra dificuldade a ter que ser ultrapassada. Portanto, o “casco”, fez lembrar os folhetos de cordel ou folhas volantes de Gil Vicente. Precisamente por se tratar de uma cultura profundamente enraizada no povo desta região, esses fragmentos eram guardados, muitos deles com enorme carinho mas, mesmo assim, não obstava a que alguns se degradassem.
Pode-se afirmar que as Brincas de Évora, estão hoje em pleno rejuvenescimento devido ao apoio que lhes foi dado durante os dois últimos carnavais de Évora, levados a efeito por uma comissão sobre a égide da Câmara Municipal.
Para que a obra tenha a forma como se apresenta, foi necessário tirar os pedaços dos Fundamentos da poeira e dos ninhos dos ratos. Para além deste esforço, muita coisa se perdeu. Creio mesmo que ainda existem muitas obras (dado os nomes que ouvi falar) e fragmentos “adormecidos”.
As Brincas, tal como as Trupes, também sofreram a perseguição política do antigo regime. Aponta-se, a título de exemplo o que aconteceu a um desses grupos. Decorria a década de 40. O Grupo de Santo Antonico, formado à base de elementos deste bairro e da Barraca de Pau, foi parar à prisão. A razão invocada era a de que o Fundamento fazia alusão à II Guerra Mundial, à fome e à miséria que reinava no nosso país. “O Grupo dormiu na prisão, mas no dia seguinte tiveram que nos soltar. A nossa sorte, diziam eles, os da Pide, é que éramos todos analfabetos”. Estas são palavras proferidas por um desses elementos que conheceu o calabouço da Pide, em Évora.
Nas Brincas, apenas os elementos do sexo masculino tinham a prerrogativa de entrar na festa. Porém, com a realização do primeiro carnaval de Évora, organizado pela Câmara Municipal de cuja comissão organizadora fiz parte, bem como da segunda, portanto 1982, 1983, o elemento feminino começou a integrar-se nelas. As mulheres preencheram um espaço que até aí lhes estava vedado. Neste campo, os grupos do Bairro de Santo António e de N.ª Srª da Tourega (Valverde), são pioneiros.
Devido ao elevado custo de vida e até porque os elementos que constituem estes agrupamentos eram no antigamente e no presente, provenientes de camadas da população economicamente desfavorecidas, raramente podiam comprar o guarda-roupa. Quando muito e já era demais para as suas posses, limitavam-se a aluga-lo em casas hoje desaparecidas e que as situavam na Ruas de Mercadores e de Avis. Ou então os agrupamentos faziam rosas de papel coloridas que colocavam nos ombros, compravam fitas de seda de várias cores que cruzavam ao peito, servindo assim de ornamentação. Os chapéus, eram envoltos por uma armação de arame e habilmente decorados também com rosas de papel colorido e fitas de várias cores.
Segundo os elementos que pude recolher, os locais mais conhecidos para representação das Brincas há umas boas dezenas de anos, eram as: Quintas dos Apóstolos, Quinta do Ourives, Quinta do Chéu-Chéu, Quinta dos Meninos Orfãos, Quinta da Rafaela, Quinta das Pimentas e muitas outras. Actualmente, são entre outros os seguintes locais; Casa do Povo do Bairro dos Canaviais, Bairro do Frei-Aleixo, Bairro de Almeirim, Bairro de Santa Maria, Vendas das Pinas, Bairro de Santo António, Senhor dos Aflitos (frente ao Picanço), Venda do Pascoal, Venda do Alface, Barraca de Pau, Santo Antonico, Degebe (frente ao Machado) e Valverde.
2.Mestre

Pela forma como manda, a sua dança e os seus gestos, o Mestre é o principal personagem das Brincas. É ele o ensaiador do grupo, declama as primeiras décimas a explicar ao povo o que se passar em cena, pede autorização ao “dono da rua”, também este conhecido por “patrão”; declama a décima que indica os personagens que entram na peça. É a seguir a essa décima que entra o personagem. Através do apito, o Mestre transmite ao grupo as suas ordens; declama no final a sua décima de grupo, faz o peditório e funciona como tesoureiro; manda tocar a música e formar em círculo para que junto da Bandeira o grupo canta a canção; agradece e despede-se quer do público, quer do “dono da rua” e, por último, manda formar o grupo para agradecer a rua ao “patrão”. O Mestre usa calça branca, casaca preta, camisa branca e papillon, duas fitas, uma branca e outra vermelha cruzadas ao peito e duas rosas vermelhas colocadas uma em cada ombro. Um apito com fitas de seda de várias cores e um pedaço de pau a servir de batuta, ornamentado também com fitas de seda de várias cores. Na canoa (chapéu alto) afixa três fitas; verde; branca e vermelha, caindo pelas costas.
Os restantes elementos, deveriam vestir-se de acordo com o personagem que iriam desempenhar, o que era praticamente impossível.
Como não podiam adquirir o guarda-roupa, como já atrás se fez referência, as namoradas, as irmãs, as mães e outras pessoas de família dos elementos dos grupos, faziam e ainda hoje isso acontece, rosas de papel colorido que colocam nos ombros. Várias fitas de seda, uma de cada cor, são cruzadas ao peito, completando assim o guarda roupa.
Há várias dezenas de anos, também eram muito usados os lenços bordados ou estampados que cruzavam no peito e nas costas. Os chapéus, são habilmente decorados como já foi feita referência. É portanto, característica das Brincas nunca se apresentarem com um guarda-roupa a condizer com os personagens que vão representar. No entanto, devido ao apoio dos dois últimos carnavais (1982 e 1983), quase todos os grupos já se esmeram com o guarda-roupa e instrumentos musicais.
Cada elemento do grupo usa um instrumento tradicional. Nos figurantes destacam-se os palhaços, em número até três, sendo no entanto uma parelha. Estes também podem desempenhar um pequeno papel. Os palhaços, têm imensas semelhanças com o Parvo das peças vicentinas, o Louco do Mundo às avessa, de linguagem descomedida.
Porém as Brincas, com o seu espaço e público próprios, o seu “Carnaval de Aldeia”, têm sido, nestes dois últimos anos integrados no “Carnaval Urbano”. Daqui se correrem sérios riscos de aculturação, visto que o povo não criou as Brincas para desfilarem perante milhares de pessoas. Não, elas sempre foram e continuarão a ser representadas no seu “Carnaval de aldeia”, com toda a sua plenitude e genuidade, para as gentes humildes que tão bem as compreende e sente. Acordeonista
3.Bandeira

Juntamente com os restantes elementos que têm instrumentos, ele completa a orquestra ou bateria, duma maneira geral, este é o único elemento que é pago mediante contrato, pelos serviços prestados ao grupo, quer durante os ensaios, quer todas as saídas para representações. Note-se que geralmente uso a palavra representação em vez de espectáculo, visto ser uma expressão muito usada pelos grupos. Por isto mesmo, me parece que esta expressão deve ser preservada.
4.Bandeira
O elemento que transporta a bandeira, geralmente diz apenas duas décimas; uma a elogiar a bandeira e outra referente ao grupo, também chamada décima de grupo. Esta última, tem sempre que existir. Este elemento também pode desempenhar outro papel. A Bandeira, quase sempre contêm o nome do grupo bordado, bem como elementos relativos ao Fundamento. Por exemplo: se o Fundamento trata de um tema da História de Portugal, podem ser bordadas duas coroas; uma maior e outra menor alusiva à rainha . As pessoas que bordam a bandeira, duma maneira geral, oferece ao Mestre uma fita bordada com o seu nome. Quase sempre são as irmãs, as namoradas e as mães que fazem este trabalho.
A Bandeira, representa uma peça fundamental nas Brincas. Uma bandeira bonita, contribuiu em muito para a valorização do grupo.
Note-se, a título de curiosidade, que durante os concursos dos dois últimos carnavais de Évora, grupos houve, que não obtiveram melhor classificação precisamente por descurarem o factor bandeira.
5.Fundamento
É o tema que irá ser representado. É feito pelo poeta popular, isto é, que constrói o argumento a ser representado.
6.Local de Ensaio
O local para o grupo ensaiar, é duma maneira geral, uma casa abandonada, um celeiro, uma garagem etc., longe de olhares curiosos para evitar que as pessoas fiquem a saber algo da peça. Este factor surpresa é fundamental. O grupo faz questão em manter o segredo do seu fundamento. No sábado gordo é feito o ensaio geral, portanto aberto ao público. É a partir daqui que se considera a Brinca pronta. Este ensaio geral é seguido de baile e tem como objectivos; a angariação de receitas para ajudar a custear parte das despesas a ter com o aluguer ou aquisição de algum guarda-roupa, fitas, instrumentos musicais, mas acima de tudo os serviços de acordeonista.
7.Local de Representação
Geralmente o local de representação é ao ar livre, no espaço público que é a rua e na sua forma mais genuína, isto é, em contacto com o solo, portanto sem qualquer estrado.
8. Cenários
As Brincas, raramente têm cenários. Apenas conheci uma Brinca a do Bairro de Santo António, que representou o “Lavrador”, onde o cenário, era apenas um pau encimado com a miniatura de um moinho. Na parte inferior deste, foram colocadas fitas de seda de várias cores, com alguns metros de cumprimento, que os elementos do grupo entrelaçavam com mestria.
Enquanto procedia ao trabalho de campo, um informador contou-me que houve um ano, quando um grupo representava o “Estandarte”, o referido grupo tinha uma enorme caixa de cartão, sem fundo, em forma circular, e lá dentro, colocava-se um elemento do grupo e um molho de pastos destinados a fazerem fumo. Este cenário, representava o soldado português que estava a ser frito em azeite. Enquanto isto se passava, outros figurantes dançavam em volta da referida caixa de cartão, representando os soldados espanhóis que assim comemoravam o seu feito. Não por terem recuperado o estandarte, mas por terem conseguido aprisionar o soldado português. Portanto, é bem possível que, em tempos, as Brincas tenham tido alguns pequenos cenários. Hoje em dia, os grupos não têm esta preocupação, o que é pena.
9.Interpretação
Os elementos do grupo dizem as suas falas, numa toada que prolonga as últimas sílabas de cada verso, de modo a serem ouvidas pelo público que fica mais afastado, obtendo assim os efeitos que se desejam. Ou será pronúncia características dos habitantes das quintas?
Os papéis, são sempre distribuídos conforme a capacidade de interpretação de cada pessoa (capacidade esta avaliada pelo Mestre), isto é, os papéis mais difíceis, não em termos de representação mas de grandeza, portanto, com maior número de falas, são sempre entregues aos elementos com maior capacidade para os decorar.
10. Ponto de Orientação
O ponto de orientação, é a peça fundamental ao ensaiador da Brinca, que é o Mestre. É entregue pelo poeta popular juntamente com o Fundamento e contêm além da distribuição dos respectivos papéis pelos elementos do grupo, bem como numerosas anotações, sempre muito úteis ao ensaiador. Contém quase sempre o preço da obra, nunca a data em que foi feito, assinatura do autor e editor da mesma, no caso vertente, Raimundo José Lopes.
11.Espaço de Representação
O grupo dispõe-se em circulo delimitando assim um espaço/cena onde decorre a representação com o público à volta. Por parte deste, é observado um rigoroso silêncio a respeito. Os elementos tanto poderão dizer as suas falas do lugar onde se encontram (muito raramente) como poderão deslocar-se (o que quase sempre acontece) no espaço circular, sós, ou contracenando com outras personagens.

A LENDA DA BOA NOVA





AOS PAIS E EDUCADORES


A par dos contos tradicionais, também as lendas fazem parte do imaginário das crianças e assim contribuírem para o seu desenvolvimento intelectual e afectivo, para além de constituirem Património Cultural da Humanidade, de grande valor, que é necessário defender e divulgar.
Também eu, desde criança, que tenho ouvido falar da Lenda da Boa Nova, a qual sempre me despertou muita curiosidade. Tal facto levou-me a fazer uma pequena pesquisa, para tornar possível dá-la a conhecer às nossas crianças e assim poderem partilhar da magia da Lenda da Boa Nova, que tem sido transmitida de geração em geração.
Luís de Matos



LENDA DA BOA NOVA
Com a morte do Rei D. Dinis “O Lavrador” e Poeta, subiu ao trono seu filho D. Afonso IV. Este Rei, apesar de estar preocupado com a guerra entre Mouros e Castelhanos, casou a sua filha, a formosíssima Maria com o Rei Afonso XI, de Castela. Entretanto, o Rei de Castela encontrava-se perante a iminente invasão do Sultão de Marrocos e devido a limites territoriais e de natureza política, D. Afonso IV abre as hostilidades contra o seu genro Afonso XI de Castela, que maltratava a formosíssima Maria porque se entregara aos amores e vontades de uma senhora de Castela.
Anos mais tarde, o Sultão Abu Halançane atravessa o Estreito de Gibraltar e derrota os Castelhanos. Perante a gravidade da situação, o Rei de Castela envia a formosíssima Maria para pedir auxílio a D. Afonso IV, mas este não satisfez o seu pedido. A Rainha, quando regressava a Castela, decide acampar com toda a sua comitiva, nas margens da Ribeira, que passa junto a Terena.
É aqui que um dos mensageiros entrega uma carta com a Boa Nova, ou seja, a Boa Notícia que a Rainha esperava, e terá exclamado "Lucefece", o que quer dizer "luz se fez", daí o nome dado à Ribeira do Lucefécit. Com esta notícia nasce assim, nos céus de Terena e do Alentejo um sonho de Paz, que se torna realidade. A mensagem dizia que o Rei D. Afonso IV resolvera dar auxílio ao genro D. Afonso XI, a braços com a invasão dos Mouros. Mais tarde, o nosso Rei assina um Tratado de Paz com o Rei de Castela o qual veio a ser assinado em Sevilha. É nesta cidade que se encontra sepultada a formosíssima Maria, entre os mausoléus dos Reis.
É em homenagem a este acontecimento, pela Boa Nova recebida em favor da paz, que a Rainha de Castela mandou construir um belo templo dedicado a Nossa Senhora da Boa Nova. Esta é a Lenda que, desde tempos imemoriais tem passado de geração em geração sobre a construção do Santuário de Nossa Senhora da Boa Nova, a cerca de um quilómetro e meio de Terena. É uma lenda muito curta e simples, cheia de história e também de paz, que simultaneamente projecta Terena no tempo e no espaço.

Luis de Matos